Edição Nº 19 - Uneb
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Do monopólio da fala sobre educação à poesia mítica africano-brasileira<br />
cimento vivido e concebido no seio das distintas<br />
comunalidades, atravessadas intermitentemente<br />
por princípios seminais de tradição e<br />
contemporaneidade, que precisamos regar o<br />
cotidiano curricular das instituições que se propõem<br />
a acolher a população infanto-juvenil de<br />
descendência africana.<br />
ODARA, A PLENITUDE DA POESIA<br />
MÍTICA AFRICANO-BRASILEIRA<br />
Interessa-nos destacar algumas características<br />
que procuram ilustrar a dimensão estética<br />
que se manifesta, mediando formas e códigos<br />
de comunicação próprios de arkhé, eidos e<br />
ethos da civilização africana.<br />
Assim, a noção Nagô Odara será aqui utilizada<br />
com a intenção de aflorar os elementos e/<br />
ou aspectos da linguagem que sobredeterminam<br />
a estética mítico-sagrada, exprimindo dessa forma<br />
a identidade comunal. “... Odara exprime<br />
simultaneamente o bom e o belo. O útil e eficaz<br />
não está dissociado da beleza e do sentimento,<br />
o técnico e o estético são expressões únicas.<br />
(LUZ, <strong>19</strong>92, p.122).<br />
Odara permite um sistema de pensamento<br />
em que não há o afastamento do sentir e do<br />
pensar, da razão e da emoção; ao contrário do<br />
Ocidente, cujo exercício de comportamento<br />
exige a dicotomia, a síncrese, o afastamento da<br />
razão e emoção, o esquematismo “racionalista”,<br />
o ascetismo, a linearidade da teoria-prática e a<br />
inércia.<br />
... O elemento estético é bom essencialmente<br />
porque é portador de determinada qualidade e<br />
quantidade de axé, é belo porque sua composição,<br />
forma, textura, matéria e cor simbolizam<br />
aspectos de representação da visão de mundo<br />
característica da tradição, realizando a comunicação.<br />
(LUZ, <strong>19</strong>95, p.566).<br />
A dinâmica da linguagem espaço-temporal<br />
mítico-sagrada é o ancoradouro de Odara, porque<br />
se trata de um valor contido na linguagem do<br />
sagrado, e apenas por ser aprendido mediante<br />
as relações interpessoais, incorporado em situação<br />
iniciática, possibilitando a introjeção de emoções<br />
e sentimentos que se atualizam e se elaboram<br />
por meio de diferentes formas estéticas.<br />
São essas linguagens estéticas que dão teor<br />
às múltiplas relações (individuais e/ou coletivas)<br />
éticas, sociais e cósmicas, transportando, para<br />
o conhecimento vivido, emoção, afetividade e<br />
as elaborações mais profundas das necessidades<br />
existenciais.<br />
Portanto, toda cultura africana de origem<br />
Nagô é Odara. Ritualmente, todos os elementos<br />
estéticos visam magnificar o sagrado e estão<br />
relacionados aos conteúdos e às estruturas<br />
de uma determinada visão de mundo, manifestada<br />
esteticamente por intermédio do apelo a<br />
todos os sentidos (tato, audição, visão, paladar<br />
e olfato) que, numa síntese harmônica e conjunta,<br />
são capazes de transmitir conceitos.<br />
Nessa perspectiva de experiência mítica,<br />
interpessoal e ritual, Odara permite a expressão<br />
de uma linguagem contextual e estética, de<br />
onde transbordam expressões de dança, música,<br />
dramatização, vestuário, instrumentos,<br />
emblemáticas, culinária, polirritmia percussiva,<br />
textos, recriações de elementos dramáticos milenares,<br />
esculturas, etc.<br />
Alguns exemplos nos ocorrem, agora, para<br />
ilustrar e/ou contextualizar, um pouco, a influência<br />
de Odara.<br />
Por exemplo: nos toques de atabaques, há<br />
um tensão muito grande para que se executem<br />
bem as músicas. Os tocadores não estão ali para<br />
tocar apenas, mas para tocar muito bem, pois<br />
se exige que se toque e se execute bem uma<br />
polirritmia harmônica e afinada. Se não for possível,<br />
pára-se, corrige-se, evitando o toque desagradável<br />
que compromete a beleza do ritual.<br />
Há todo um esforço para que se executem bem<br />
os toques.<br />
O ritmo africano contém a medida de um tempo<br />
homogêneo (a temporalidade cósmica ou mítica),<br />
capaz de voltar continuamente sobre si mesmo,<br />
onde todo fim é o recomeço cíclico de uma situação.<br />
O ritmo restitui a dinâmica do acontecimento<br />
mítico reconfirmando os aspecto de criação<br />
e harmonia do tempo. (SODRÉ, <strong>19</strong>79, p.21).<br />
E mais:<br />
O ritmo é uma maneira de transmitir uma descrição<br />
de experiência que é recriada na pessoa que<br />
recebe não simplesmente como uma “abstração”<br />
ou emoção, mas como um efeito físico sobre o<br />
72 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003