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Edição Nº 19 - Uneb

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Do monopólio da fala sobre educação à poesia mítica africano-brasileira<br />

Foto 1 - extraída dos PCNs, vol.<br />

10, p. 34.<br />

No coração dessas análises,<br />

o apelo circunscrevese<br />

à proposição urgente e<br />

ingente de uma outra concepção<br />

de educação, o que<br />

significa romper com as<br />

amarras do circuito que<br />

impõe valores existenciais<br />

ancorados na dinâmica de<br />

financeirização do mundo e<br />

conquista de mercados.<br />

Os espaços institucionais<br />

do sistema escolar são<br />

canais profícuos na formação<br />

de gerações voltadas<br />

para a racionalidade do universo urbano-industrial,<br />

cuja extensão é o acúmulo de riqueza e<br />

capital, além de dominação, dissecamento e<br />

esgotamento da natureza e a matematização da<br />

vida para atender à ordem e ao progresso técnico-científico...<br />

Aqui vale a expressão formulada por Max<br />

Weber 4 , o “desencantamento do mundo”, idêntico<br />

à tragédia da visão de Édipo-Rei. Infelizmente,<br />

nossas crianças e jovens têm vivido espaços<br />

institucionais eivados dessa perspectiva<br />

do “desencantamento de mundo”, pois não conseguem<br />

estruturar suas identidades, nem afirmar<br />

seu direito à alteridade própria a partir das<br />

dinâmicas de comunalidade do seu entorno.<br />

É muito significativa, para nós, a ilustração<br />

fruto da pesquisa 5 que realizamos para o Instituto<br />

Nacional de Pesquisa Educacionais – INEP<br />

em <strong>19</strong>88 em Salvador, no Curuzu, bairro da Liberdade,<br />

numa escola pública. Entrevistando uma<br />

menina da 6ª série do Ensino Fundamental sobre<br />

o sentimento que tinha sobre o espaço e tempo<br />

escolar na sua vida, entre muitas coisas que nos<br />

revelou, a que mais chamou atenção: “... Eu gosto<br />

muito de ficar olhando para a rua quando estou<br />

na sala, por isso fico perto da janela...”<br />

A rua é a referência simbólica de um outro<br />

espaço que pode ser associado à cosmovisão<br />

negra, principalmente em Salvador onde tradicionalmente<br />

foram e são desenvolvidas pelas comunidades<br />

africano-brasileiras, atividades econômicas<br />

e sociais sobredeterminadas por esse<br />

espaço caracterizado como rua. A rua se constitui,<br />

simbolicamente, num território que contribui<br />

fortemente para atualizar, nas comunalidades, a<br />

visão de mundo, as condutas, ações e relações<br />

sociais herdadas dos antepassados africanos.<br />

Assim, a fala dessa menina que destacamos<br />

torna explícita uma cosmovisão africana em que<br />

a rua dos bairros de população predominantemente<br />

negra – como o Curuzu, tão temida pelo<br />

universo da produção – é o espaço de proximidade<br />

entre vida cotidiana e produção simbólica,<br />

lugar de uma atmosfera emocional ou afetiva –<br />

ethos, costumam dizer os antropólogos – que<br />

institui canais especialíssimos, não-lingüísticos,<br />

de comunicação. O território torna-se continente<br />

de uma densidade simbólica, assimilável não<br />

4<br />

Vide as análises e proposições de Michel Maffesoli. No<br />

fundo das aparências.Petrópolis:Vozes, <strong>19</strong>99, p.187-350.<br />

5<br />

Em <strong>19</strong>96, tivemos a iniciativa até então inédita no Brasil,<br />

de organizar um livro reunindo personalidades<br />

exponenciais no campo da Pluralidade Cultural e Educação,<br />

nomes como: Marco Aurélio Luz, Muniz Sodré,<br />

Marcos Terena, Elisa Larkin Nascimento, Kabengele<br />

Munanga, entre outros. O projeto foi considerado muito<br />

ousado, já que na época esta questão não era tratada<br />

devidamente pelos espaços institucionais oficiais.<br />

64 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003

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