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Edição Nº 19 - Uneb

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Léa Austrelina Ferreira Santos<br />

A dramatização surge em contraposição às<br />

relações estabelecidas na sala de aula da escola<br />

oficial, que priorizam o silêncio, o corpo estático,<br />

sem movimento, sem ação efetiva. A mais<br />

solicitada das ações está presente na relação<br />

olho x cérebro, o que exige uma rígida disciplina<br />

do corpo e da mente e um excesso de concentração<br />

não inerente ao comportamento dos<br />

jovens.<br />

O professor Marco Aurélio Luz já trazia<br />

consigo a experiência da Mini Comunidade Oba<br />

Biyi, e levou à dinâmica curricular do projeto<br />

elementos pertencentes ao ethos africano-brasileiro<br />

do contexto das formas de comunicação<br />

desta tradição.<br />

No mesmo período em que ocorria o Projeto<br />

Odemodé, muitas escolas faziam uma intensa<br />

referência à figura de Pedro Álvares Cabral, na<br />

comemoração pelos 500 anos de Brasil. Se faz<br />

necessário, entretanto, analisar quais as contribuições<br />

reais dos heróis aclamados pela historiografia<br />

oficial e se eles realmente tiveram tantas<br />

qualidades para serem tão exaltados.<br />

Os ancestrais europeus são sempre lembrados<br />

de forma heróica pela historiografia e os africano-brasileiros<br />

são lembrados, muitas vezes, pela<br />

identidade de escravos, contribuindo para incutir<br />

o recalque nos jovens. As personalidades exponenciais<br />

cultuadas e reverenciadas pelas comunidades-terreiro<br />

são aquelas que dignificam as<br />

atividades de tradição em cada ato litúrgico, são<br />

os ancestrais que trazem orgulho e dignidade.<br />

O silêncio da escola oficial em relação ao<br />

processo civilizatório africano-brasileiro seria<br />

outro problema a ser enfrentado. Há, de fato,<br />

uma deturpação ou/e omissão realizada pela<br />

historiografia oficial em relação à presença africana<br />

e às personalidades que lutam para afirmar<br />

a cultura.<br />

Foi trabalhado um conto de Mestre Didi chamado<br />

“A fuga de Tio Ajayi”. Esse conto havia<br />

sido transformado em ópera e hoje constitui-se<br />

como um fato marcante na dramaturgia africano-brasileira.<br />

Ele possui uma linguagem teatral<br />

riquíssima. Marco Aurélio Luz, em entrevista,<br />

descreve:<br />

A fuga de Tio Ajayi possui três características. A primeira refere-se à<br />

vida no engenho no tempo da escravidão. A segunda se inicia quando um tio<br />

da Costa, de nome Ajayi, convoca seus irmãos para fazerem as obrigações a<br />

um orixá adorado por eles. A terceira começa quando um escravo da casa<br />

grande, mandado pelo senhor, espiona o que está se passando e dá o serviço<br />

do local onde estão os negros, reunidos. Segue-se a saga da perseguição do<br />

grupo pelos soldados enviados por um comissário, a mando do senhor de<br />

engenho (...).<br />

Logo que avistaram as tropas, os vigias transmitem, uns para os outros, o<br />

aviso da aproximação até chegar onde está o Tio Ajayi. As cantigas se sucedem<br />

num ritmo de ijexá acompanhando a dramatização de toda a fuga até a<br />

libertação.<br />

Vigia: Tio Ajayi soldadevem<br />

Tio Ajayi: Jakuriman, jakuriman<br />

Tio Ajayi fazendo um sinal para toda sua gente acompanhá-lo.<br />

Entra in beco sai in beco<br />

Todos respondem: Tio Ajayi toca que vai cumpanhando<br />

Em certo momento a sede atormenta a todos naquela caminhada. Sob<br />

proteção dos orixás, os negro recebem uma chuva que lhes renova as forças.<br />

Os soldados, porém já distantes acabam por se arrasar sob o sol causticante.<br />

O grupo atinge o sopé de uma grande montanha e Tio Ajayi resolve liderar<br />

toda a sua gente para subir cantando.<br />

‘Quando eu sobi no ladera<br />

Coro: Eu caí, eu dirruba’<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 99-111, jan./jun., 2003<br />

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