Edição Nº 19 - Uneb
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Narcimária Correia do Patrocínio Luz<br />
pela racionalidade conceitual, mas sinestesicamente,<br />
com corpo e espírito integrados numa<br />
atenção participante. (SODRÉ, <strong>19</strong>88)<br />
Enfim, nas comunalidades de base africana,<br />
a utilização do espaço e do tempo ganha outra<br />
dimensão. As relações que se estabelecem são<br />
intergrupais ou a nível bipessoal.<br />
A imagem que apresentamos a seguir é<br />
muito significativa, pois nos leva a uma leitura<br />
sintomal sobre o projeto político-ideológico que<br />
rege o monopólio da fala. (Vide Foto 1)<br />
Essa foto foi selecionada pelo MEC para<br />
compor o volume 10 dos Parâmetros Curriculares<br />
Nacionais – PCNs, abordando o “tema transverspal”<br />
Pluralidade Cultural.<br />
O que nos chama atenção é que não há nenhuma<br />
referência substancial sobre a foto: tempo,<br />
lugar, história da população...<br />
Mas o que está latente na imagem é a pretensão<br />
do olhar universal sobre o outro, homogeneizando-o,<br />
tornando-o o mesmo; convertendo-o<br />
e irreversibilizando-o à geometria e aos signos<br />
das aparências características da modernidade<br />
industrial que tem como extensão a escola.<br />
Observem mais uma vez!<br />
Reparem que a única referência possível na<br />
foto e que, mesmo assim, não tem potência para<br />
abrir uma densa e profícua reflexão sobre pluralidade<br />
cultural, são os traços morfológicos das<br />
pessoas. Em comum, o fardamento escolar,<br />
extensão do monopólio da fala da onipotência<br />
edipiana.<br />
Não conseguimos identificar o sorriso, a alegria<br />
no semblante das crianças...<br />
Outro aspecto importante: a foto abre um<br />
dos sub-capítulos do livro, respondendo às modulações<br />
clássicas do currículo assentado nas<br />
dicotomias do ensino-aprendizagem que lastreiam<br />
os objetivos, metas, conteúdos e avaliação<br />
do tempo e espaço escolar.<br />
Um detalhe: na versão equivocada e incisiva<br />
do MEC sobre Pluralidade Cultural 6 , ainda persistem<br />
os grandes sistemas explicativos, que lidam<br />
com e/ou percebem os múltiplos universos<br />
civilizatórios que constituem a arkhé, eidos e<br />
ethos de distintos povos do planeta através da<br />
superfície de análises totalitárias do “dever ser”,<br />
expressão vital ao esquematismo conceitual.<br />
O que importa ressaltar, aqui, é a necessidade<br />
de compreendermos a dinâmica do eidos<br />
e do ethos neo-africanos e sua permeabilidade<br />
na sociedade brasileira. Trata-se de noções interdependentes,<br />
complementares, interpenetráveis,<br />
pois ambas possibilitam a constituição de<br />
identidades coletivas, dando-lhes suporte para<br />
a continuidade dos valores culturais. Ratificando:<br />
ethos constitui a linguagem grupal enunciada;<br />
as formas de comunicação, os comportamentos,<br />
a visão de mundo, os discursos significantes<br />
manifestos, o modo de vida e a configuração<br />
estética. O eidos se refere às formas de<br />
elaboração e realização da linguagem, aos modos<br />
de sentir e introjetar valores e linguagens,<br />
ao conhecimento vivido e concebido, à emoção<br />
e à afetividade.<br />
No enquadramento desses sistemas explicativos<br />
etnocêntricos-evolucionistas pluralidade<br />
cultural “... quer dizer a afirmação da diversidade<br />
como traço fundamental na construção<br />
de uma identidade nacional que se põe<br />
permanentemente, e o fato de que a humanidade<br />
de todos se manifesta em formas<br />
concretas e diversas de ser humano” (PCN,<br />
<strong>19</strong>97, p.<strong>19</strong> – grifos nossos).<br />
E mais:<br />
... a própria dificuldade de categorização dos<br />
grupos que vieram para o Brasil, formando sua<br />
população, é indicativo da diversidade. Mesmo<br />
para a elaboração de um simples rol, é difícil<br />
escolher ou priorizar certo recorte, seja continental<br />
ou regional, nacional, religioso, cultural,<br />
lingüístico, racial/étnico. Portugueses, espanhóis,<br />
ingleses, franceses, italianos, alemães,<br />
poloneses, húngaros, lituanos, egípcios, sírios,<br />
libaneses, armênios, indianos, japoneses, chineses,<br />
coreanos, ciganos, latino-americanos,<br />
católicos, evangélicos, budistas, judeus, muçulmanos,<br />
tradições africanas, situam-se entre<br />
outras inumeráveis categorias de identificação.<br />
(PCN, <strong>19</strong>97, p.<strong>19</strong> – grifos nossos)<br />
6<br />
Ver artigos e ensaios da autora indicados em algumas<br />
publicações do SEMENTES Caderno de Pesquisa e na<br />
Revista da FAEEBA, por exemplo; já investimos exaustivamente<br />
em outros trabalhos sobre essa questão da<br />
transversalidade do MEC.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003<br />
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