Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
jeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, no<br />
qual Mãe Hilda, a Iyalaxé 7 do terreiro Jitolú 8 –<br />
local onde funciona a sede do bloco –, é considerada<br />
uma destacada líder afro que assume<br />
também a posição de pedagoga, transmitindo<br />
valores da arkhé africana aos alunos afro-descendentes<br />
de maneira lúdica, mitológica e pedagógica.<br />
Assim procedendo, ela reafirma os<br />
valores ético-estéticos que reforçam a identidade<br />
afro-descendente das crianças e adolescentes<br />
da instituição. Somente dentro de uma<br />
proposta curricular plural enquanto ação política<br />
pedagógica na educação pública é que, efetivamente,<br />
podemos promover a auto-estima, a<br />
auto-referência afro-identitária e a dignidade<br />
dos grupos afro-descendentes.<br />
Não há instituições com práticas pedagógicas<br />
privilegiando aspectos culturais das civilizações<br />
aborígines na cidade do Salvador. Atualmente,<br />
em muitas partes do Brasil, esses grupos<br />
estão se organizando e tendo autorização<br />
para ministrar aulas nas suas línguas nativas.<br />
Isso está promovendo o renascer da lingüística,<br />
da memória e da história desses povos. Como<br />
exemplo, temos o grupo indígena Fulni-ô (Águas<br />
Belas/PE) que, através de uma índio-descendente,<br />
Marilene Araújo de Sá, funcionária da<br />
FUNAI, professora de Yaathê, língua nativa do<br />
grupo, elaborou uma cartilha para não se perder<br />
esse referencial étnco-cultural do grupo e<br />
promover a (re)construção da identidade ética<br />
dos seus descendentes. Por sua própria iniciativa<br />
e de forma autodidata, ela elaborou uma<br />
pesquisa na qual está resgatando, através da<br />
memória e da história, a língua materna do seu<br />
povo que já havia perdido muitos elementos<br />
lingüísticos (ANAÍ, <strong>19</strong>94, p. 6-9).<br />
A partir de <strong>19</strong>98, o MEC publicou o Referencial<br />
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas<br />
(RCNEI). Este documento é dirigido aos<br />
professores indígenas e aos técnicos das secretarias<br />
estaduais de educação. É um subsídio<br />
para a discussão e a implementação de novas<br />
políticas, práticas pedagógicas e curriculares em<br />
terras indígenas, sistematizando um conjunto de<br />
pontos comuns frente à diversidade e multiplicidade<br />
das culturas aborígines. Seu objetivo principal<br />
é apresentar uma proposta pedagógica de<br />
ensino-aprendizagem que visa promover uma<br />
educação intercultural e bilíngüe entre esses<br />
povos (Disponível em: www.mec.gov.br).<br />
Mais recentemente, no ano de 2001, o Projeto<br />
Capacitação Solidária do governo federal<br />
subsidiou projetos comunitários voltados para<br />
cursos profissionalizantes dirigidos à formação<br />
de jovens das classes populares. Dentre estes,<br />
foram privilegiados os cursos de corte e costura,<br />
estética, culinária, ritmos afro, patissaria,<br />
doces e salgados, manutenção de carros, de<br />
equipamentos eletrônicos, artesanatos locais,<br />
viveiros de peixes e crustáceos etc.<br />
A partir dessas experiências bem sucedidas,<br />
outras instituições afro e comunidades de terreiro<br />
passaram a incorporar projetos de educação<br />
técnica ligados a projetos pedagógicos, privilegiando<br />
seus arcabouços culturais. O Terreiro<br />
Oxumarê, na Avenida Vasco da Gama, Salvador-BA,<br />
desenvolveu um projeto de confecção<br />
de instrumentos musicais afro. Na mesma<br />
cidade, um terreiro no Alto de Coutos, Mutá,<br />
desenvolveu um curso no interior do seu ethos<br />
religioso voltado para a produção artesanal de<br />
chaveiros. Outros terreiros trabalharam a culinária<br />
afro-baiana.<br />
Logo, algumas ONG’s, engajadas na luta<br />
política pela promoção da dignidade, inserção<br />
social e melhoria da perspectiva de vida dos<br />
adolescentes das classes populares, conjugaram<br />
suas propostas de ministrar cursos técnicos a<br />
projetos político-pedagógicos, direcionados para<br />
uma perspectiva étnico-cultural, devido à<br />
especificidade de esses contingentes serem de<br />
maioria negra.<br />
Vale ressaltar as realizações do CONGO -<br />
CENTRO MÉDICO SOCIAL, localizado no<br />
Alto de Coutos, no subúrbio ferroviário de Sal-<br />
7<br />
Iyalaxé é a mãe do axé, a responsável pela manutenção<br />
do axé, ou seja, a força dinamizadora cósmica que circula<br />
e promove o continuum da vida entre aqueles que são<br />
vivificados pela força ancestral, que cada vez mais se<br />
expande e se reforça no cotidiano e nas atividades religiosas<br />
de auto-afirmação dentro da comunidade terreiro além<br />
de seu perímetro territorial.<br />
8<br />
Denominação do seu orixá, Omolú, pois cada entidade<br />
possui um nome de acordo com suas características intrínsecas.<br />
86 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003