Edição Nº 19 - Uneb
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Por uma escola da roça<br />
1. INTRODUÇÃO 1<br />
Embora relegada pela Universidade ao esquecimento<br />
teórico na última década, a temática<br />
da educação rural nos parece ainda uma problemática<br />
de estudo muito significativa em um<br />
país de dimensão continental como o Brasil.<br />
Sobretudo, no Estado da Bahia, quando consideramos<br />
que, segundo o IBGE (2000), 32,8%<br />
de sua população, o equivalente a 4,3 milhões<br />
de pessoas, reside em áreas rurais, essa problemática<br />
assume uma maior relevância.<br />
A falta de estudos sobre o tema assume<br />
maior gravidade quando consideramos a histórica<br />
ausência de políticas educacionais específicas<br />
para o “meio rural” brasileiro e baiano<br />
(LEITE, <strong>19</strong>99; ARROYO; FERNANDES, <strong>19</strong>99;<br />
RIBEIRO, 2000; SANTOS, 2002); e ainda, o<br />
fato de que a população residente nas “zonas<br />
rurais” não possui hoje escolas suficientes para<br />
atender às demandas de matrículas (principalmente<br />
nas séries finais do ensino fundamental),<br />
forçando, assim, os alunos “rurais” (aqui denominados<br />
de alunos da roça) a buscarem a continuidade<br />
de seus estudos nas escolas da cidade,<br />
se quiserem aspirar níveis mais elevados de<br />
escolarização. Tais aspectos demonstram bem<br />
a forma como a diversidade cultural é ignorada<br />
pelas políticas educacionais totalitárias que negam<br />
o direito à alteridade. Nas escolas da roça 2<br />
e da cidade, os alunos da roça (a grosso modo<br />
entendidos como aqueles que residem em áreas<br />
rurais e estudam em uma “escola rural”; ou ainda<br />
aqueles que, residentes na “zona rural”, se<br />
deslocam diariamente para a sede do município<br />
a fim de freqüentar uma escola, retornando às<br />
suas casas após o turno de estudo) têm os<br />
marcadores de sua identidade negados sobretudo<br />
pelo modelo curricular padronizado, elaborado<br />
a partir de categorias urbanocêntricas e<br />
que os obriga a negar a sua identidade cultural,<br />
sob pena de serem “expulsos” da escola (evasão<br />
ou repetência).<br />
A essa questão, de certa forma, vimo-nos<br />
dedicando no Mestrado em Educação e<br />
Contemporaneidade/UNEB (desde março de<br />
2002), onde desenvolvemos a pesquisa “O aluno<br />
da roça na escola da cidade: um estudo<br />
sobre representação e identidade”. Embora<br />
na referida pesquisa, nossa preocupação esteja<br />
centrada nas tensões identitárias (identificações)<br />
vivenciadas por alunos da roça em distintos<br />
contextos culturais (a roça e a escola da cidade)<br />
no seu desenvolvimento, nós nos temos deparado<br />
com a questão mais ampla da escolarização<br />
no meio rural (roça), através de reflexões<br />
sobre a realidade específica dessas escolas<br />
nos municípios de Amargosa 3 (onde realizo<br />
a investigação) e São Miguel das Matas (onde<br />
desenvolvi experiência profissional no período<br />
<strong>19</strong>98-2001); e da leitura de bibliografia sobre a<br />
questão (BRANDÃO, <strong>19</strong>83; SPEYER, <strong>19</strong>83;<br />
THERRIEN; DAMASCENO, <strong>19</strong>93; AR-<br />
ROYO, <strong>19</strong>97; LEITE, <strong>19</strong>99; CALDART, <strong>19</strong>99).<br />
Nesse sentido, os estudos, as leituras e as<br />
discussões ocorridas no âmbito do Curso de<br />
Mestrado em Educação e Contemporaneidade<br />
têm-nos possibilitado reflexões profundas sobre<br />
as práticas escolares que, erigidas a partir<br />
de um referencial cultural ocidental, branco,<br />
masculino, urbano, tem pretendido enquadrar,<br />
numa racionalidade produtivista, todos que a ela<br />
têm acesso. Possibilitam-nos, ainda, uma crítica<br />
mais sistemática a este tipo de escola; e propiciam<br />
reflexões que nos movem em direção a<br />
uma “descolonização da educação”.<br />
Neste artigo pretendemos, então, sistematizar<br />
essas reflexões sobre a escola rural, apre-<br />
1<br />
Este artigo faz parte de um conjunto de reflexões desenvolvidas<br />
pelo autor no processo de elaboração da dissertação<br />
“O aluno da roça na escola da cidade: um estudo<br />
sobre representações e identidade”, no Curso de Mestrado<br />
em Educação e Contemporaneidade da UNEB, Campus<br />
I, Salvador. O autor agradece aqui à Profª Drª Narcimária<br />
Luz, orientadora daquela dissertação, à Profª Drª Stela<br />
Rodrigues, e ao Prof. Dr. Júlio Lobo, ambos do PEC/<br />
UNEB, pelas valiosas contribuições que vem fornecendo<br />
à referida pesquisa.<br />
2<br />
Em parágrafos adiante, ainda nesta introdução, apresentamos<br />
nossa compreensão do termo roça. Ver também o<br />
tópico 4 deste artigo.<br />
3<br />
Os municípios de Amargosa e São Miguel das Matas<br />
localizam-se numa zona fronteiriça entre as regiões do<br />
Recôncavo Sul (SEI, <strong>19</strong>98) e Vale do Jiquiriçá (SEI, <strong>19</strong>98).<br />
O primeiro possui uma população estimada em 33 mil<br />
habitantes, 11 dos quais residem em áreas rurais; o segundo<br />
tem pouco mais de 10 mil habitantes, sendo que 75%<br />
residem na zona rural.<br />
148 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003