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Edição Nº 19 - Uneb

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Por uma escola da roça<br />

educação rural 7 . A escola que existe na roça<br />

não tem servido para ajudar os(as) rurais a entenderem/compreenderem<br />

as contradições que<br />

marcam a sua realidade e melhorar a sua qualidade<br />

de vida; tampouco tem servido para preparar<br />

um futuro operário capacitado para inserir-se<br />

no mercado de trabalho urbano (agora<br />

mais exigente diante dos desafios postos por<br />

uma economia globalizada, marcada pela automação<br />

dos processos produtivos e pela informatização<br />

dos processos de comercialização e<br />

prestação de serviços). Na verdade, a escola<br />

existente na roça, tem-se constituído como um<br />

forte mecanismo de destruição da cultura local,<br />

através da imposição de uma cultura “urbanocêntrica”<br />

e é, por conseqüência, um fator que<br />

tem estimulado o êxodo rural. É comum, em<br />

conversas com estudantes das escolas na roça,<br />

vê-los(las) manifestar sua pretensão em deixar<br />

o meio rural e deslocar-se para a cidade. Como<br />

afirma uma professora, depoente em nossa pesquisa:<br />

“Se ele já se formou, a roça não serve<br />

mais pra ele” 8 . Outro depoente, Seu Messias,<br />

um trabalhador rural da localidade da Palmeira,<br />

analisando a realidade de seu entorno regional<br />

constata que: “Hoje ninguém mais quer trabalhar<br />

mais nin roça; (...) hoje o povo quer mais<br />

ir pra rua” 9 . Para além das repercussões de<br />

fatores culturais, políticos e econômicos que<br />

impactam sobre a agricultura brasileira/baiana,<br />

essas constatações evidenciam claramente que<br />

a escola contribui para a desestruturação da<br />

identidade do povo da roça; fortalecendo assim<br />

um imaginário depreciativo a seu respeito, e<br />

contribuindo para o êxodo rural que, apesar de<br />

reduzido nas última década, ainda se mantém<br />

de forma pontual.<br />

Para os(as) professores(as) que atuam nas<br />

escolas da roça, o livro didático (durante muito<br />

tempo o único material impresso disponível na<br />

escola rural) 10 , converte-se ainda hoje no principal<br />

instrumento que subsidia o seu fazer pedagógico.<br />

Os livros didáticos, através de seus<br />

textos e gravuras, desconsideram o homem, a<br />

mulher e a criança da roça, pois quase nunca<br />

eles são considerados nos livros didáticos! Há<br />

anos, quando apareciam, eram representados<br />

como seres sem cultura, marcados pelo estereótipo<br />

de sujeitos “atrasados”, um verdadeiro<br />

“bicho do mato que precisava ser civilizado”.<br />

Essas representações ainda persistem,<br />

mas nos últimos anos tem-se visto o espaço rural<br />

ser apresentado como um local destinado às<br />

monoculturas de exportação, ao agronegócio,<br />

ou seja, privilegia-se a perspectiva dos detentores<br />

da propriedade da terra, dos empresários<br />

do setor agropecuário, que estão preocupados<br />

com o estímulo à tecnologia e com o espírito<br />

empreendedor. Essa “afirmação” do “novo<br />

mundo rural” vem de Couto Filho (<strong>19</strong>99) e contrasta<br />

com a realidade concreta que marca o<br />

meio rural das regiões do Recôncavo Sul baiano<br />

e do Vale do Jiquiriçá, onde se situa o município<br />

de Amargosa. Tais regiões se caracterizam pela<br />

existência de pequenas propriedades, destinadas<br />

à agricultura de subsistência<br />

A ausência de políticas educacionais que<br />

atendessem às especificidades do meio rural<br />

brasileiro, levou a escola da roça a uma tentativa<br />

de imitação da escola urbana (LEITE, <strong>19</strong>99).<br />

Os calendários letivos, o regime de organização<br />

das turmas e do ensino (seriação), as disciplinas<br />

e os conteúdos escolares, os métodos e<br />

as técnicas de ensino que pautam o ensino rural,<br />

inspiram-se no modelo escolar urbano e toda<br />

luta do(a)a professor(a) é para buscar aplicá-lo<br />

com a maior eficiência possível. Daí a frustração<br />

quando os(as) alunos(as) em tempo de safras<br />

agrícolas se evadem das escolas ou por lá<br />

não aparecem às sextas-feiras, vésperas das<br />

feiras que acontecem aos sábados nas cidades;<br />

7<br />

Vários autores apresentam essa tese: Leite (<strong>19</strong>99);<br />

Kolling, Nery e Molina (<strong>19</strong>99); Arroyo e Fernandes<br />

(<strong>19</strong>99); Ribeiro (2000). Arroyo (<strong>19</strong>99) observa que o que<br />

houve foi uma escola urbana no ‘campo’ e não uma escola<br />

do ‘campo’ (Cf. ARROYO; FERNANDES, <strong>19</strong>99).<br />

8<br />

Afirmação feita por Gilmara Santos Reis, 25 anos, exaluna<br />

de escola rural, hoje residente na cidade e professora<br />

numa escola municipal, multisseriada, localizada na<br />

zona rural. Depoimento dado em 20 jun. 2003.<br />

9<br />

A referência ao termo “rua” como sinônimo de cidade é<br />

uma constante entre os moradores das várias localidades<br />

rurais de Amargosa.<br />

10<br />

Alerto para o cuidado que se deve ter para não tomar<br />

essa afirmação como carência; na roça, prevalecem as formas<br />

de comunicação que se fundamentam fortemente na<br />

oralidade.<br />

150 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003

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