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Edição Nº 19 - Uneb

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Fábio Josué Souza Santos<br />

sentando uma crítica ao modelo pedagógico em<br />

vigor na maioria das escolas rurais baianas e<br />

apontando alternativas que vêm sendo desenvolvidas<br />

numa corrente contra-oficial em diferentes<br />

regiões do Estado da Bahia e que se<br />

configuram como uma nova forma de fazer a<br />

escola da roça, que revigora a cultura dos espaços<br />

onde ela se insere, contribuindo para uma<br />

vida mais digna para as comunidades onde estão<br />

localizadas.<br />

Utiliza-se neste artigo, o termo roça como<br />

categoria teórica importante construída na compreensão<br />

do ethos cultural que caracteriza “o<br />

rural” do Recôncavo Sul e do Vale do Jiquiriçá.<br />

Emprega-se essa expressão em substituição a<br />

outros possíveis termos (meio rural, campo, fazenda,<br />

sítio), que são utilizados como sinônimos<br />

em outras regiões do Brasil, mas que, no contexto<br />

de onde falamos, não são empregados e, assim,<br />

apresentar-se-iam destituídos de significado.<br />

A categoria teórica roça possui múltiplos sentidos<br />

que se imbricam na caracterização desse<br />

lugar e pode significar: 1) a localidade distante<br />

da cidade (assim, parece ser sinônimo de “zona<br />

rural”: “Moro na roça”); 2) pode ser referido<br />

também como sinônimo de “terreno”, propriedade<br />

(“Eu tenho uma rocinha”; “Vamos na roça<br />

de Fulano?); e 3) ainda pode se referir à plantação<br />

(“roça de milho”; “roça de mandioca;<br />

roça de feijão”). Esses múltiplos sentidos se<br />

imbricam, entrelaçam-se na vivência cotidiana<br />

do povo que nela/dela vive e, portanto, na caracterização<br />

da arkhé 4 que marca o ethos cultural<br />

da “zona rural” daquela região. Com menor freqüência,<br />

naquela região emprega-se o termo<br />

“zona rural” como sinônimo de roça (localidade),<br />

mas a expressão “zona rural”, além de menos<br />

freqüente, nos parece insuficiente para traduzir<br />

o sentido que a expressão roça carrega.<br />

2. EDUCAÇÃO RURAL 5 : A UNIVERSA-<br />

LIZAÇÃO DO MODELO URBANO<br />

O projeto de educação da Modernidade,<br />

erigido sob o princípio do universalismo, pretendeu<br />

estender, pelos quatro cantos do mundo,<br />

os ideais/preceitos da cidadania e da civilização.<br />

No seu afã civilizatório, esse projeto educacional,<br />

obcecado por uma uniformização totalitária,<br />

sufocou subjetividades e recalcou identidades,<br />

transformando o outro num mesmo. A<br />

implantação dos sistemas públicos de ensino foi<br />

um eixo importante desse projeto educacional<br />

que pretendeu uma escola única, laica e científica,<br />

capaz de levar a todos as luzes da razão<br />

iluminista. No caso brasileiro, é preciso considerar<br />

as tensões entre o cientificismo laico e os<br />

interesses da fé católica – estes de forte influência<br />

em nossa educação, mesmo após a instauração<br />

da República. Em ambas as tendências,<br />

entretanto, é uma constante a negação da<br />

subjetividade do outro, o que se faz através de<br />

um processo de homogeneização cultural. 6<br />

Vítima desse processo de uniformização, foi<br />

a escola rural condenada a imitar a escola urbana<br />

(a escola única, pública, laica, científica,<br />

universal), como decorrência de um processo<br />

histórico de isolamento. Assim, os currículos<br />

escolares das escolas rurais impõem ao(à)<br />

aluno(a) da roça um mundo imaginário, uma<br />

realidade social contrastante com as observações<br />

e vivências das quais este(a) aluno(a) é<br />

sujeito histórico. Não há preocupação em aproveitar<br />

e explorar a bagagem cultural, os recursos<br />

locais, as experiências de vida que a criança<br />

traz de casa e do meio. Ademais, o acentuado<br />

valor que o currículo escolar dá aos fatos<br />

sociais distantes e longínquos contribui, decisivamente,<br />

para aumentar o desinteresse do(a)<br />

aluno(a) pela escola e, em conseqüência disso,<br />

é grande o índice de evasão e repetência.<br />

Analisando a história da educação escolarizada<br />

no meio rural brasileiro, poderíamos afirmar<br />

que, verdadeiramente, nunca houve uma<br />

4<br />

Para uma definição de arkhé, remete-se ao tópico 4.<br />

5<br />

Para além de diferenças semânticas que os termos possam<br />

guardar, estamos utilizando, exclusivamente neste<br />

tópico, os termos rural, meio rural, zona rural, da roça,<br />

roça, como sinônimos; deixando a discussão conceitual<br />

sobre os mesmos para o tópico 4.<br />

6<br />

Santos (<strong>19</strong>95) traz uma interessante análise sobre a pilhagem<br />

política e religiosa perpetrada pelos europeus no<br />

continente americano nos séculos XVI e XVII, no capítulo<br />

6 (Modernidade, identidade e cultura de fronteira),<br />

notadamente nas páginas. 136-139.<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003<br />

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