Edição Nº 19 - Uneb
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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
2. ANÁLISE DE ESTRATÉGIA: TRÊS<br />
DOCUMENTOS DE UM “FAZEDOR DE<br />
POLÍTICAS”<br />
Para o entendimento dessa questão, vamos<br />
analisar os documentos do final do século XIX<br />
que nos permitirão ver como se iniciaram as<br />
principais mudanças no aparelho do Estado e<br />
no arcabouço institucional que, a nosso ver, implicaram<br />
na estruturação de uma estratégia para<br />
a inclusão dos negros a sociedade brasileira.<br />
São elas:<br />
1. a reforma eleitoral, através da adoção da eleição<br />
direta com a exclusão dos analfabetos;<br />
2 a extinção da escravatura através do projeto<br />
de emancipação gradual; e<br />
3. o projeto de reforma da instrução.<br />
Em todas as três, ressalta-se a pessoa de<br />
Rui Barbosa, jurista brasileiro, grande advogado<br />
responsável também pela revisão de grande<br />
parte da legislação brasileira após a República.<br />
De origem simples, Rui Barbosa foi, durante<br />
toda sua vida, e ainda por muito tempo, o<br />
protótipo do “letrado” brasileiro. Sem fortuna,<br />
seu pai, educador e político liberal, toma como<br />
sua principal tarefa a educação de seu filho,<br />
ligado aos Conselheiros Saraiva e Manoel<br />
Dantas, políticos e liberais da Bahia, que o têm<br />
como assessor e depois como afilhado político,<br />
até que ele assume seu próprio lugar, inicialmente<br />
como membro do parlamento federal, na<br />
constelação política. Líder liberal, tem papel<br />
destacado nas lutas pela reforma do Estado<br />
brasileiro, dentro de uma concepção muito própria,<br />
em que se destaca a luta pelo federalismo.<br />
Advogado dos militares em choque com o governo<br />
Imperial, torna-se republicano e, logo<br />
depois, líder civil dos republicanos. Com o Golpe,<br />
torna-se o 1º vice-presidente do Governo<br />
Provisório, função que acumulava com a de<br />
Ministro da Fazenda, fazendo-se reconhecidamente<br />
a figura central das reformas que então<br />
se levam à frente, no sentido da implantação de<br />
uma república leiga, liberal e... conservadora.<br />
No entanto, o que vamos analisar de Rui<br />
Barbosa (sua obra é vastíssima) são três textos<br />
produzidos quase simultaneamente (1879, 1882<br />
e 1884), nos quais se discutem, respectivamente,<br />
a adoção da eleição direta (mas não tanto),<br />
a reforma do sistema de ensino (na parcela que<br />
cabia ao governo central) e o final da escravidão.<br />
Na nossa concepção, os três textos tem<br />
uma conexão entre si, que apontam para uma<br />
estratégia liberal de “trânsito para a civilização”<br />
para a sociedade brasileira, com declaradas<br />
exclusões assumidas. Estratégia vitoriosa, na<br />
medida em que reafirmada e formalmente aprovada,<br />
já na República, com a sua presença no<br />
Governo Provisório, por sua participação na elaboração<br />
da Constituição Federal de 1891.<br />
O que pretendemos é estabelecer uma articulação<br />
entre:<br />
a) sua declaração de ser “liberal à inglesa” 13<br />
com a defesa da exclusão dos analfabetos da<br />
cidadania ativa: para ele, o voto deve ser direto,<br />
mas restrito, segundo critérios de renda e de<br />
condição de independência e discernimento, via<br />
o saber ler e escrever;<br />
b) a idéia de que o sufrágio universal deve ser<br />
precedido pelo ensino universal;<br />
c) seu conhecimento da extensão do analfabetismo<br />
no Brasil - quantos e quem eram os analfabetos,<br />
com uma dimensão, inclusive, do tempo<br />
necessário para a generalização do ensino<br />
básico (“esta celeridade de milésimos por ano”);<br />
e<br />
d) seu projeto de extinção gradual da escravidão,<br />
em que:<br />
- alinha as razões a favor dessa extinção, analisando<br />
as diversas experiências de extinção na<br />
América Latina e apresentando-as como favoráveis,<br />
como seguras – a não ser em casos em<br />
que, além da liberdade, se deu a cidadania;<br />
- analisa o caso dos Estados Unidos, em que<br />
houve uma guerra, onde apresenta os resultados<br />
favoráveis de inclusão dos negros, inclusive<br />
criação de escolas – o que, entretanto, não<br />
faz com que se apresente, no projeto, nenhuma<br />
proposição a respeito de uma escolarização<br />
massiva de ex-escravos;<br />
13<br />
“Eu era, como sou, um democrata liberal e um liberal da<br />
escola inglesa”. Citado por Homero Pires, em introdução<br />
ao discurso de Rui Barbosa na Sessão de 10 de julho de<br />
1879, sobre a Reforma Eleitoral.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
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