Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
há uma ambigüidade no comportamento dos afrobrasileiros<br />
em se auto-reconhecerem enquanto<br />
negros e tomarem atitudes políticas no sentido<br />
de conseguirem sua cidadania plena. Assim se<br />
reporta o autor, em relação a esta realidade, citando<br />
Thomas Skidmore (<strong>19</strong>96, p.126):<br />
A cor da pele ou ancestralidade parece ser a principal<br />
marca étnica em países com grandes populações,<br />
tanto de origem européia como africana.<br />
Um sistema de classificação racial no qual a identidade<br />
racial do mulato (também mestiço, pardo)<br />
é uma categoria totalmente legitimada, juntamente<br />
com uma ideologia do branqueamento, que dá<br />
maior valor a uma pele mais clara, tem sido apontado<br />
como um obstáculo à formação de uma identidade<br />
afro-brasileira.<br />
Alguns estudos revelam o comportamento<br />
ambíguo de jovens alunos que não conseguem<br />
se inserir numa classificação de cor, mesmo<br />
porque ainda existem muitas divergências teóricas<br />
sobre esta temática. Portela (<strong>19</strong>97, p.93-<br />
5), ao relacionar afro-descendência, exclusão<br />
social e multirrepetência escolar, utiliza dois tipos<br />
de classificação de cor: a autoclassificação<br />
e a classificação dada pelo entrevistador. No<br />
final, percebe a existência, entre os alunos, de<br />
autoclassificações outras como “amarelo”,<br />
“marrom”, “cor de formiga” etc, no que ela<br />
conclui: “isso mostra que, na Bahia, a despeito<br />
de sua população ser majoritariamente constituída<br />
de pretos e morenos escuros, há ainda uma<br />
grande luta a ser empreendida para a construção<br />
de uma identidade racial”.<br />
Por se tratar de “uma grande luta”, como diz<br />
Portela (<strong>19</strong>97), no sentido de construir uma identidade<br />
racial, é que este estudo também se ocupa<br />
de um empreendimento político-social e pedagógico<br />
como o do CONGO-CENTRO MÉ-<br />
DICO SOCIAL. Esta instituição insere na sua<br />
comunidade de entorno uma proposta de<br />
(re)construção de uma identidade que, na realidade,<br />
deveria ser uma estratégia política dos afrodescendentes<br />
no contexto da sociedade brasileira,<br />
cuja história foi forjada num escamoteamento<br />
etno-racial através da ideologia do “branqueamento”<br />
e da “democracia racial”. Apesar disso,<br />
os jovens sujeitos de Coutos interagiram com a<br />
proposta de forma positiva e, também, manifestaram<br />
um engajamento político-cultural, no sentido<br />
de tomar como referência suas marcas de<br />
identidade afro-descendente.<br />
A identidade étnica afro-descendente está<br />
relacionada à própria história dos contingentes<br />
africanos transladados para a América e outras<br />
partes do mundo. Nesse sentido, Henrique<br />
Cunha Jr. (2002, p.21) parte do ponto de vista<br />
de que “a etnia afrodescendente tem sua história<br />
passada delimitada pela história do continente<br />
africano e das relações deste com o resto do<br />
mundo”. Para ele, devemos lembrar que “a presença<br />
africana na América, Ásia e Europa é<br />
anterior ao ciclo das navegações espanholas e<br />
portuguesas”. Ele toma como referência o<br />
achado do fóssil mais antigo do Brasil, a Luíza<br />
de Lagoa Santa.<br />
Para Cunha Jr. (2002, p.21-22):<br />
As identidades afrodescendentes ou negras são<br />
múltiplas e variadas. Podem ser consideradas<br />
como positivas ou negativas, relacionadas com<br />
a auto-imagem que os indivíduos fazem de si e<br />
dos outros. O importante é que encontremos na<br />
cultura nacional e na população um certo número<br />
de referentes sociais que marcam os conjuntos<br />
identitários diferenciadores dos nossos grupos<br />
sociais afrodescendentes com relação ao<br />
indígena e ao eurodescendente.<br />
... As identidades têm um caráter duplo, por vezes<br />
dependem de como os indivíduos se autoidentificam,<br />
outras de como os outros externos<br />
ao grupo os identificam. Uma das marcas da identidade<br />
afrodescendente é como o grupo externo<br />
nos identifica. As restrições sociais e de representações<br />
de que somos alvo dão um contorno<br />
de identidade ao grupo social.<br />
Dessa forma, ao estabelecer um construto<br />
teórico do conceito de etnia, o autor toma como<br />
referência a definição dada por Amselle (<strong>19</strong>85),<br />
para quem tal conceito “tem um caráter político,<br />
pois está relacionado à história construída<br />
do grupo social e não necessita de uma mesma<br />
língua ou território para a sua existência”.<br />
Sintetizando, Cunha Jr. (<strong>19</strong>95, p.160) afirma:<br />
No caso da etnia, é como uma marca onde os<br />
membros reconhecem seus [sic] próprios, dentro<br />
de uma ordem simbólica própria. As nações<br />
de Candomblé, neste caso, podem ser consideradas<br />
uma etnia. As populações negras ou<br />
afrodescendentes podem ser definidas como<br />
90 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003