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Edição Nº 19 - Uneb

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Lavagem do Bonfim: entre a produção e a invenção da festa<br />

das festas populares, influenciando, inclusive,<br />

na própria produção de sentido destas festas.<br />

Uma das mais importantes festas populares/<br />

religiosas de Salvador, a Lavagem do Bonfim,<br />

foi o alvo privilegiado. No ano de <strong>19</strong>98, a Prefeitura,<br />

com o apóio da Comissão dos Festejos<br />

Populares da Lavagem do Bonfim, com a<br />

anuência da Associação dos Blocos de Trios e<br />

com o aval dos empresários vinculados à Indústria<br />

do Turismo, decidiu transferir para a<br />

bairro da Barra o som eletrizante dos trios elétricos,<br />

segregando espacial e temporalmente o<br />

carnaval. A nova festa passou a ser realizada<br />

no sábado posterior à quinta-feira da lavagem<br />

e foi nomeada de Farolfolia. Observamos, que<br />

contrariamente à concepção que imperava no<br />

Carnaval da Lavagem, o Farolfolia, além de<br />

servir de vitrine para as associações carnavalescas,<br />

passou a conferir altos lucros aos blocos<br />

que passaram a participar do evento. Uma<br />

organização exemplar garantia a ordem na festa<br />

e toda segurança aos turistas que visitavam<br />

a cidade. O caráter singular do Carnaval da<br />

Lavagem, com seu aspecto de potlach endereçado<br />

às forças mágico-religiosas, foi negligenciado<br />

pelos promotores da festa. No cortejo,<br />

um rito em louvor ao Orixá do Candomblé,<br />

Oxalá, deveria imperar contrição e respeito.<br />

No ano seguinte, em <strong>19</strong>99, a EMTURSA,<br />

Empresa de Turismo de Salvador, outorgou à<br />

Associação das Baianas de Acarajé – ABA,<br />

entidade criada no ano de <strong>19</strong>92, a partir de gestões<br />

da própria empresa de turismo, com o objetivo<br />

de disciplinar o comércio de acarajé na<br />

cidade, a responsabilidade pela organização do<br />

cortejo. Seguindo orientações da EMTURSA,<br />

os diretores da Associação passaram a realizar<br />

o contato com as baianas, filiadas e não filiadas<br />

à associação, e a encaminhar a relação dos<br />

participantes ao órgão de turismo que providenciava<br />

o pagamento de uma espécie de jeton pela<br />

participação na lavagem. A ABA passou, assim,<br />

a disputar com a Federação Baiana do Culto<br />

Afro-Brasileiro a organização do cortejo das<br />

baianas, o que acirrou a rivalidade já existente<br />

entre as duas entidades. Convém ressaltar, ainda,<br />

que a Federação não aceita a ingerência da<br />

ABA na organização do comércio de Acarajé<br />

na cidade, realizado, em muitos casos, por<br />

baianas vinculadas às Casas de Candomblé.<br />

Observamos, ainda, que a alteração introduzida<br />

vem ameaçando o aspecto religioso do ritual da<br />

lavagem, na medida em que a associação está<br />

voltada exclusivamente para a comercialização<br />

dos quitutes produzidos pelas baianas. 8<br />

Na última lavagem do milênio, em janeiro<br />

de 2000, os empresários vinculados ao setor<br />

cultural trouxeram o carnaval de volta à quintafeira<br />

do Bonfim, despindo-o, no entanto, do seu<br />

caráter de potlach. A Bahia Marina, localizada<br />

na Avenida do Contorno, nas proximidades da<br />

Igreja da Conceição da Praia, organizou um<br />

grande grito de carnaval, na quinta-feira da lavagem,<br />

o “Bonfim Light”. A festa começou<br />

logo após a saída do cortejo e contou com a<br />

participação de cerca de 10 mil foliões que brincaram<br />

nos 9 mil metros quadrados do estacionamento<br />

da marina até à noite. O local foi cercado<br />

por tapumes e um grande contingente de<br />

seguranças garantiu a tranqüilidade dos foliões<br />

que pagaram R$40,00 para ter acesso à festa.<br />

O carnaval voltou à Lavagem do Bonfim, mas<br />

ficou segregado espacialmente – não interfere<br />

mais na rotina do centro financeiro da cidade –<br />

e, socialmente, apenas os foliões que podem<br />

pagar o ingresso tem acesso à festa.<br />

Sem dúvida, a Lavagem do Bonfim, como<br />

outras festas populares da cidade do Salvador,<br />

estão sofrendo profundas mudanças e estas<br />

mudanças estão interferindo na própria identidade<br />

da cidade. Não cabe aqui um apelo a nostalgia,<br />

muitas manifestações culturais desaparecem,<br />

ou transformam-se e as transformações<br />

são, muitas vezes, inevitáveis. A festa que nós<br />

estamos vendo não é mais aquela que estávamos<br />

acostumados a ver. No entanto, acreditamos<br />

que as ações dos poderes públicos, incentivando<br />

a comercialização dos principais espaços,<br />

garantindo altos lucros aos produtores culturais<br />

que investem na realização do evento e<br />

aos empresários do setor de turismo representam<br />

uma ameaça contra a linguagem da identidade.<br />

Conforme afirma Marc Augé (<strong>19</strong>94), a<br />

8<br />

A Associação está voltada para a capacitação profissional<br />

das vendedoras de Acarajé.<br />

144 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 135-146, jan./jun., 2003

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