Edição Nº 19 - Uneb
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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
antes vivia durante certo período de tempo e a<br />
estar vinculado a um trabalho certo, sob pena<br />
de recolhimento à instituição penal pela própria<br />
polícia, ou, quando muito, pelo Juiz de paz, sob<br />
rito sumário. A presunção era de que, não tendo<br />
trabalho regular, era vadio e, como tal, perigoso.<br />
O período republicano inaugurado transpõe<br />
essa legislação, antes circunscrita aos libertos,<br />
para o código penal, estendendo-a para toda a<br />
população livre. Claramente, o uso da coerção<br />
como instrumento de dominação. Mesmo saindo<br />
do Código Penal, em <strong>19</strong>30, quando é transformada<br />
em contravenção penal, a vadiagem<br />
segue sendo motivo para a prisão arbitrária dos<br />
que saem à noite, ou que simplesmente retornam<br />
à noite a suas casas ou, ainda, não tendo casas,<br />
perambulam pelos centros das cidades, até os<br />
dias de hoje no Brasil. Na Bahia, existiu até a<br />
década de 80 a Colônia Agrícola de Pedra Preta<br />
(na verdade uma pedreira), para onde eram<br />
mandados, sem julgamento, os que eram presos<br />
para averiguações, inicialmente por um<br />
período de 90 dias (período após o qual deveriam<br />
ser liberados por não terem culpa formada). Aí<br />
dentro podiam ser esquecidos por período não<br />
determinado, uma vez que, sendo uma prisão<br />
ilegal mantida pela Polícia, não existiam registro<br />
dos detidos para aí mandados, nem processo<br />
formal de culpa e nem conhecimento mesmo<br />
da Justiça.<br />
O controle da vida dos negros, entretanto,<br />
não parava aí. Também o exercício da sua liberdade<br />
de religião era restringido, mesmo<br />
naquele momento em que se apregoava a liberdade<br />
religiosa e a separação da Igreja do Estado,<br />
estando sob o controle policial através da<br />
policia de costumes. Acompanhada de cantos,<br />
música, danças e, principalmente, toques de tambor,<br />
a religião dos orixás, considerada “divertimento<br />
estrondoso” como os demais “batuques”,<br />
serenatas (VERGER, <strong>19</strong>87, p.530 ss), só podia<br />
existir por expressa autorização da Delegacia<br />
de Jogos e Costumes, e sua realização era controlada:<br />
chega-se à década de 30 sem que se<br />
pudesse realizar o culto ao som dos atabaques<br />
sagrados, devendo acontecer somente sob o<br />
som de cabaças e de palmas.<br />
Somente em <strong>19</strong>38, sob pressão de uma então<br />
crescente organização dos negros 8 , se suspende<br />
a proibição do uso dos atabaques. Na<br />
década de 70 do século XX, recomeçam os<br />
controles da Delegacia de Jogos e Costumes<br />
sobre o exercício da liberdade religiosa dos negros,<br />
os quais só terminam em 76, através de<br />
intervenção direta do então governador do Estado.<br />
Documentando o período de perseguição<br />
religiosa, os instrumentos de culto que eram<br />
apreendidos estão guardados no Instituto de<br />
Criminalística do Estado, no Museu Nina Rodrigues,<br />
apesar de todos os protestos e pedidos<br />
das organizações negras hoje existentes para<br />
que lhes sejam entregues.<br />
Em suma, tanto a legislação e a prática do<br />
combate à vadiagem como o controle do funcionamento<br />
dos candomblés serviram como instrumento<br />
policial de controle da inserção dos<br />
negros no seio da nacionalidade. Idem, o combate<br />
à capoeira. Não só a policia os combatia e<br />
controlava, como os jornais, controlando a opinião<br />
pública, protestavam contra a livre manifestação<br />
da presença da cultura africana no pósrepública<br />
e pós-abolição. 9 e 10<br />
8<br />
Realizamos, em <strong>19</strong>93, entrevista com o então presidente<br />
da FEBACAB; em seu depoimento, “Seu Benzinho”<br />
(Esmeraldo Emetério dos Santos) falou sobre a criação da<br />
Federação de Cultos Afro-Brasileiros e sua estratégia de<br />
luta contra a repressão às religiões afro-brasileiras.<br />
9<br />
Sobre isto, encontramos registro de Nina Rodrigues, em<br />
<strong>19</strong>06, em “Os Africanos no Brasil”, quando, protestando<br />
contra, coleta e transcreve uma série de recortes de jornais<br />
da época (em torno de <strong>19</strong>00) que dão conta da existência<br />
da repressão aos candomblés, com o seguinte comentário:<br />
“Na África, estes cultos constituem verdadeira<br />
religião de Estado, em cujo nome governam os régulos.<br />
Acham-se, pois, alí garantidos pelos governos e pelos<br />
costumes. No Brasil, na Bahia, são ao contrário considerados<br />
práticas de feitiçaria, sem proteção nas leis, condenadas<br />
pela religião dominante e pelo desprezo, muitas<br />
vezes apenas aparente, é verdade, das classes influentes<br />
que, apesar de tudo, as temem. Durante a escravidão, não<br />
há ainda vinte anos portanto, sofriam elas todas as violências<br />
por parte dos senhores de escravos, de todo<br />
prepotentes, entregues os negros, nas fazendas e plantações,<br />
à jurisdição e ao arbítrio quase ilimitados de administradores,<br />
de feitores tão brutais e cruéis quanto ignorantes.<br />
Hoje, cessada da escravidão, passaram elas à<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
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