Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
baixo, onde fica a tal da invasão. As meninas<br />
falam que é invasão, mas é a rua direta da Constituinte...<br />
só que elas costumam chamar de invasão...<br />
aí, sempre tem um grupinho que é mais<br />
separado dessas... essa daí, já tem filho, já tem<br />
família, mas não se comporta como uma mãe de<br />
família... não se comporta como uma menina direita...<br />
sempre tem aquele grupo que é separado<br />
delas... então elas chamam de quê?... de<br />
patricinha?... Eu sou uma dessas patricinhas,<br />
entendeu?... eu não tenho nada, sou igual a elas...<br />
eu me acho igual a elas, me comunico com elas<br />
normal, falo com todas elas, mas elas nunca reconhecem,<br />
entendeu?... Então, elas sempre dizem<br />
que a gente é diferente delas... da minha<br />
parte, eu me comunico com todo mundo, falo<br />
com todo mundo... pode me botar defeito, o que<br />
for, mas eu me comunico com todo mundo, eu<br />
não tenho isso... daqui para o final desse curso<br />
isso vai consertar...<br />
De acordo com o relato acima, percebemos<br />
que as diferenças tendem, na grande maioria<br />
das vezes, a provocar conflitos devido à incapacidade<br />
humana de perceber o outro na sua<br />
alteridade.<br />
O grupo, apesar de reunir habitantes de uma<br />
mesma zona – o subúrbio ferroviário – é composto<br />
por moradores de locais diferentes e específicos,<br />
com identidades próprias e diferenciadas.<br />
Uma pequena parte deles mora no conjunto<br />
residencial popular Vista Alegre; outros<br />
moram em Periperi, área adjacente a Coutos, e<br />
uma outra parte mora no Alto de Coutos, área<br />
invadida ao longo do tempo e onde também foram<br />
construídos blocos residenciais.<br />
Essas identidades têm características específicas,<br />
conforme a origem do morador, do local<br />
onde reside, do grau de escolaridade, da<br />
organização familiar, dos modos de comportamento<br />
e comunicação, elementos estes que contribuem<br />
decisivamente para a construção dos<br />
seus perfis individuais e grupais.<br />
Quanto à questão econômica, a renda familiar<br />
varia e está de acordo com a conjuntura<br />
atual. A maioria dos chefes de família está desempregada<br />
e é constituída de biscateiros, ajudantes<br />
de serviços, artesãos, ajudantes de obras<br />
e vendedores ambulantes. As mulheres, por sua<br />
vez, na grande maioria, exercem atividades domésticas.<br />
Poucas possuem profissões nas áreas<br />
técnicas, como enfermagem e magistério. Como<br />
exceções, existem aposentados e funcionários<br />
públicos.<br />
A estrutura sócio-econômica e familiar, na<br />
qual vivem, também define os sujeitos sociais e<br />
as características que os diferenciam. A religiosidade,<br />
a educação e os princípios morais e éticos<br />
são elementos facilmente percebidos, bem<br />
como os diferentes comportamentos e maneiras<br />
de comunicação dos participantes da comunidade.<br />
Entre estes havia alguns evangélicos.<br />
Foi fácil reconhecer a identidade religiosa<br />
dos integrantes deste grupo através do conteúdo<br />
da sua fala, da maneira como se vestiam,<br />
como se arrumavam, como se agrupavam etc.<br />
Esses aspectos os diferenciavam a partir das<br />
suas culturas próprias e das suas visões de<br />
mundo. Essas pessoas representavam, na realidade,<br />
um grupo da comunidade, agregadas aos<br />
mesmos objetivos; entretanto, elas eram diferentes,<br />
de fato, pois eram sujeitos culturais<br />
construídos historicamente através de trajetórias<br />
próprias que as moldaram enquanto indivíduos<br />
de uma sociedade multiétnica, diferencialista e<br />
excludente.<br />
Percebemos, dessa maneira, que o conjunto<br />
dessas características estabeleceu, a princípio,<br />
espaços determinados que passaram a ser vistos<br />
como áreas de atrito entre identidades diferentes.<br />
Assim, por exemplo, uma parte das jovens<br />
da invasão Nova Constituinte, em virtude<br />
de suas maneiras desinibidas, irrequietas, liberais<br />
e rebeldes, não aceitava as colegas que<br />
eram caladas, reservadas e com outras posturas,<br />
fruto de uma cultura específica, diferenciada<br />
das demais. Essa diversidade de comportamentos<br />
provocou situações constrangedoras<br />
e, não raro, desafiadoras para os dirigentes do<br />
Programa..<br />
Apesar de Nidiane afirmar, na sua narrativa,<br />
que não tinha nada contra elas, inconscientemente<br />
o processo de rejeição e discriminação<br />
estava, de alguma forma, presente nas suas<br />
interações.<br />
Esta interação com o outro tende a provocar<br />
reações diversificadas no sujeito, ativando<br />
seus mecanismos de defesa. Um deles é o afastamento<br />
e a rejeição daqueles com os quais não<br />
94 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003