Edição Nº 19 - Uneb
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Pluralidade cultural, migração e o ensino da língua portuguesa no ensino fundamental<br />
ler e a escrever implica necessariamente em<br />
mudança de identidade. Ou seja, o nosso objeto<br />
de interesse é a identidade que se constitui na<br />
relação língua, cultura e identidade. A pessoa<br />
(criança, jovem ou adulto) deixa de pertencer<br />
ao mundo daqueles que não dominam a leitura<br />
e a escrita e ingressam no mundo das letras, no<br />
mundo do “Outro”. Ou seja, aprender a ler escrever<br />
implica em: aprendizado de “nova” língua<br />
ou nova modalidade de língua e, junto com<br />
esta transformação, a aquisição de uma série<br />
de hábitos que configurarão mudança de cultura,<br />
mudança de identidade, ou seja, mudança<br />
no jeito de ser.<br />
RELACIONAMENTO “IDENTIDADE,<br />
LÍNGUA E CULTURA”<br />
Pierre Bourdieu (<strong>19</strong>82) faz interessantes afirmações<br />
a respeito da relação entre identidade,<br />
língua e cultura. Ele apresenta-nos toda a riqueza<br />
das interlocuções no cotidiano das pessoas,<br />
captando a relação entre os agentes sociais,<br />
e afirma que a estrutura social é representada<br />
dentro de cada um destes momentos,<br />
percebendo-se a hierarquia social no ato da<br />
interlocução. Nesta hierarquia, há pessoas autorizadas<br />
a falar, ou seja, os detentores da competência<br />
lingüística, que, longe de ser uma capacidade<br />
técnica, é uma posição nas relações<br />
de poder da sociedade. Os locutores são socialmente<br />
caracterizados, ou melhor, o estilo do<br />
falante é a característica que aponta a sua identidade<br />
no grupo. Esta distribuição das pessoas<br />
é o que vai caracterizar, segundo Bourdieu<br />
(<strong>19</strong>82), o campo da linguagem.<br />
Instaura-se desta maneira, uma situação de,<br />
pelo menos, bilingüismo, onde há uma fala menos<br />
legítima, ordinária, trivial, vulgar, corrente,<br />
livre e popular e, ainda, uma fala distinta, correta<br />
e, portanto, publicável.<br />
Assim, todo discurso pode ou não ser aceito<br />
por estes ou aqueles interlocutores e, ainda, ele<br />
tem um preço, sendo que há leis de formação<br />
de preços. Há, por isso, capital lingüístico que é<br />
dito e utilizado. Dito de outro modo, as mesmas<br />
palavras não são as mesmas e não são iguais,<br />
havendo relações de forças lingüísticas. Desta<br />
forma, o que se passa entre dois colegas, patrão<br />
e empregado, dois namorados, professor e<br />
aluno... passa-se entre dois grupos aos quais<br />
pertencem estas pessoas. No caso da nossa<br />
pesquisa, um nordestino em situação de baixa<br />
escolarização que jamais tenha ido a São Paulo,<br />
quando ele fala, sua produção oral vale menos<br />
do que a de um paulistano. Ou seja, sabemos<br />
do preço da fala popular quando ele é confrontada<br />
pelo mercado oficial. O mercado oficial,<br />
por sua vez, tem um grande poder de censura,<br />
e, assim, o falar abertamente só se produz<br />
em condições muito particulares.<br />
Dentro deste contexto, num discurso, o que<br />
mais chama a atenção, ou seja, o que aponta a<br />
pertinência do indivíduo a este ou aquele grupo<br />
social, é a pronunciação, e, ainda, o uso de aparelho<br />
fonador, mais do que a sintaxe e a extensão<br />
do vocabulário.<br />
Dito de outro modo, segundo Bourdieu<br />
(<strong>19</strong>82), aquele que fala, fala em nome do reconhecimento,<br />
ou não, institucionalizado de um<br />
grupo. Ainda que de passagem, ressaltamos que<br />
este modo de utilizar a língua faz parte do habitus<br />
de cada sujeito, pois o mesmo é orientado pelas<br />
maneiras incorporadas pelas pessoas a partir<br />
das interações, sobretudo, familiares.<br />
Sabemos ainda que quando o falante não pertence<br />
ao grupo social de prestígio dentro da sociedade<br />
em questão, há intimidação, violência<br />
simbólica em pequenos gestos no cotidiano. Há,<br />
portanto, uma censura antecipada daquele que<br />
fala, que se manifesta timidamente, com ansiedade,<br />
embaraço e, muitas vezes, calando-se.<br />
Na nossa sociedade, o conhecimento da língua<br />
oficial é feito de maneira desigual, sobretudo<br />
pela escola, e, por isso, modificações estratégicas<br />
são postas em prática pelo falante menos<br />
favorecido, no sentido de corrigir o seu discurso<br />
e torná-lo mais aceitável. Segundo o sociólogo<br />
francês, recorrer a uma sintaxe mais<br />
curta, ou fazer uso de hiper-correções, constituem-se<br />
maneiras através das quais o locutor<br />
busca maior poder simbólico, ou seja, são maneiras<br />
pelas quais o agente social estuda e procura<br />
aplicar as possibilidades que tem, buscando<br />
o sentido do jogo social, ao encontro da autonomia.<br />
174 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 173-180, jan./jun., 2003