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Edição Nº 19 - Uneb

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Léa Austrelina Ferreira Santos<br />

tência, imprime sentido e direção ao futuro. No<br />

seio da arkhé estão contidos os princípios de<br />

começo-origem e poder-comando, e não deve<br />

ser associada com antigüidade e/ou anterioridade<br />

e exemplo de um passado rural, não-tecnológico<br />

e mesmo selvagem. Também se refere<br />

ao futuro, a uma força que dá continuidade à<br />

linguagem do sistema histórico-cultural da comunidade.<br />

(LUZ, 2000, p.106).<br />

Em entrevista realizada em 07/02/2000, Marco<br />

Aurélio Luz define: “A família Asipá marca<br />

o reconhecimento da continuidade transatlântica<br />

dos valores da religião africana no Brasil,<br />

tendo conseqüentemente importância especial<br />

no que se refere à ancestralidade africana em<br />

nosso país.”<br />

O Odemodé nasce, então, desse contexto,<br />

de referência da ancestralidade africano-brasileira<br />

que influencia decisivamente na constituição<br />

de suas identidades próprias.<br />

Ancestralidade deve ser entendida, nesse<br />

contexto, como forma de manutenção da memória<br />

individual e coletiva das populações de<br />

origem africana e também como forma de respeito<br />

aos antepassados e ao legado do patrimônio<br />

civilizatório implantado nas Américas.<br />

O que torna o processo civilizatório africanobrasileiro<br />

singular é o tratamento dado pelos seus<br />

integrantes à ancestralidade e às formas de preservação<br />

recriadas pelos afro-descendentes que<br />

renovam seus vínculos ancestrais e os tornam<br />

contemporâneos através de estratégias comunitárias,<br />

expressadas, muitas vezes, nas formas de<br />

sociabilidade e comunicação estabelecidas nas<br />

comunidades. Na mesma entrevista:<br />

A ancestralidade, no nível da tradição religiosa,<br />

tem as suas características específicas tanto<br />

em relação a sua iniciação no culto quanto em<br />

relação a sua ida, a partida das pessoas do aiyê<br />

para o orum, que é permeada por atos litúrgicos<br />

e com a passar do tempo, o destino dessas pessoas,<br />

inclusive depois que falecem, está envolvido<br />

em uma série de regras, um série de atos<br />

litúrgicos para seguir essa transferência.<br />

A ancestralidade influencia de forma significativa<br />

a constituição do repertório filosóficopolítico<br />

que determina as formas de estruturação<br />

de vida e relações sociais originárias desse<br />

processo civilizatório.<br />

As identidades culturais dos afro-descendentes<br />

não podem ser generalizadas, pois apresentam<br />

matizes muito distintas e devem ser consideradas<br />

de acordo com os conflitos que se apresentam<br />

no tempo e espaço, característicos da<br />

sociedade global. No contexto baiano, por<br />

exemplo, essas identidades se apresentam de<br />

forma pujante em virtude do processo civilizatório<br />

que se instalou aqui e que resistiu às imposições<br />

da sociedade escravista.<br />

A identidade cultural dos jovens ligados à<br />

comunidade Ilê Asipá tem uma nuance bastante<br />

expressiva e está alicerçada na sua afirmação<br />

existencial. A religião, a ancestralidade e a<br />

vida comunitária, na comunidade-terreiro Ilê<br />

Asipá, influenciam significativamente o quadro<br />

referencial de princípios e valores presentes nas<br />

identidades dos jovens a ela ligados.<br />

A comunidade-terreiro tem grande importância<br />

na vida dos jovens que a integram. Durante<br />

uma entrevista, um jovem do grupo do<br />

Projeto Odemodé, quando perguntado sobre o<br />

que a comunidade representava em sua vida,<br />

respondeu: “Quando eu passo do portão para<br />

dentro eu acho que meu mundo já se modifica<br />

e cá fora eu acho que é sempre o mesmo.”<br />

A vida dos jovens ligados à comunidade-terreiro<br />

Ilê Asipá é baseada num sentimento de<br />

irmandade, de família extensa, segundo seus<br />

relatos. Essa vivência vem propiciar o fortalecimento<br />

das identidades culturais, pois na comunidade<br />

concentram-se o saber e as elaborações<br />

baseadas no conhecimento ancestral que<br />

lhes fornece um forte referencial para as suas<br />

vidas.<br />

A ordem de percepção de mundo e de valores<br />

recriados no Ilê Asipá estimula os jovens a<br />

exercerem um comportamento espontâneo em<br />

que a sociabilidade preserva a cultura, estrutura<br />

as identidades e fortalece a noção do direito<br />

à alteridade. Os valores que forjam as alianças<br />

sociais e que caracterizam o patrimônio ancestral<br />

fecundam e nutrem o conjunto de ações,<br />

pensamentos e comportamentos da juventude<br />

Asipá.<br />

É permeado por essas relações que surge o<br />

Projeto Odemodé Egbé Asipá, uma iniciativa<br />

na área de educação pluricultural na Bahia, pois<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 99-111, jan./jun., 2003<br />

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