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Edição Nº 19 - Uneb

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Eduardo Alfredo Morais Guimarães<br />

permanecem fechadas durante a cerimônia e<br />

as baianas lavam apenas as escadarias e o adro<br />

do santuário.<br />

A palavra de ordem dos participantes do<br />

cortejo, repetida todos os anos pelos mais ardentes<br />

defensores da tradição é quem tem fé<br />

vai a pé. Majoritariamente, os participantes<br />

vestem-se de branco – afinal o branco é a cor<br />

do Orixá Oxalá e do próprio Cristo Crucificado,<br />

o Senhor do Bonfim – e seguem a pé da<br />

Conceição da Praia ao Santuário do Bonfim,<br />

ao som dos blocos afros e afoxés, num percurso<br />

de oito quilômetros. Ao chegar ao Bonfim as<br />

baianas realizam a lavagem simbólica do santuário<br />

e derramam água de cheiro sobre a cabeça<br />

dos fiéis que se encontram nas proximidades.<br />

Não resta dúvida que nem todos conseguem<br />

chegar à Colina Sagrada, pois os apelos<br />

do carnaval instaurado no percurso contém a<br />

marcha de muitos participantes.<br />

Nossas interpretações sobre a Lavagem<br />

Simbólica do Santuário do Senhor Bom Jesus<br />

do Bom Fim, momento mágico da festa<br />

quando os devotos se purificam ao tempo em<br />

que purificam o próprio templo, voltam-se para<br />

algumas discussões já clássicas no âmbito da<br />

antropologia sobre a festa carnavalesca. De um<br />

lado, autores que advogam a existência de uma<br />

inversão na ordem social durante o período carnavalesco.<br />

De outro, aqueles que afirmam que<br />

durante o carnaval a ordem não é subvertida.<br />

Acreditamos que as analises de Mikhail Bakhtin<br />

expressas no seu famoso livro sobre Rabelais e<br />

o Carnaval Medieval, publicado em português<br />

sob o título A Cultura Popular na Idade Média<br />

e no Renascimento, podem ser um ponto<br />

de partida seguro para o desenvolvimento de<br />

nossa abordagem. No livro o autor afirma que<br />

no período carnavalesco, na Europa Medieval,<br />

se instauraria uma outra ordem social marcada<br />

pela abolição das relações hierárquicas:<br />

Em conseqüência, essa eliminação provisória, ao<br />

mesmo tempo ideal e efetiva, das relações hierárquicas<br />

entre os indivíduos, criava na praça<br />

pública um tipo particular de comunicação, inconcebível<br />

em situações normais. Elaboravamse<br />

formas especiais do vocabulário e do gesto<br />

da praça pública, francas e sem restrições, que<br />

aboliam toda a distância entre os indivíduos em<br />

comunicação, liberados das normas correntes da<br />

etiqueta e da decência. Isso produziu o aparecimento<br />

de uma linguagem carnavalesca típica, da<br />

qual encontraremos numerosas amostras em<br />

Rabelais. (BAKHTIN, <strong>19</strong>87, p.9)<br />

Os festejos carnavalescos ocupavam lugar<br />

de destaque na Europa Medieval; a alegria, o<br />

gosto pela festa e o sentimento de liberdade<br />

germinavam e enraizavam-se nos burgos, sendo<br />

parte integrante, inclusive das solenidades<br />

religiosas. Além do Carnaval propriamente dito,<br />

uma série de celebrações cômicas e ritos festivos<br />

faziam parte do cotidiano europeu durante<br />

a Idade Média, marcando a sucessão das estações,<br />

a semeadura, o nascimento e a morte<br />

como expressões de ritos de passagem. Segundo<br />

Bakhtin, não se pode esquecer da festa<br />

dos tolos, da festa do asno, do riso pascal e<br />

de quase todas as festas religiosas realizadas<br />

com forte participação popular e em um ambiente<br />

carnavalesco. Todos esses ritos e espetáculos<br />

criavam, segundo Bakhtin, uma dualidade<br />

do mundo, de um lado as cerimônias oficiais,<br />

de outro, os cultos carnavalescos, cômicos, dominados<br />

pelo riso, “um segundo mundo e uma<br />

segunda vida aos quais os homens da idade<br />

Média pertenciam em maior ou menor proporção,<br />

e nos quais eles viviam em ocasiões determinadas”<br />

(<strong>19</strong>87, p.4).<br />

É importante observar que o ponto de vista<br />

de Bakhtin não é unânime. Analisando a mesma<br />

problemática estudada por Bakhtin, Jacques<br />

Heers (<strong>19</strong>87), em seu trabalho Festas de Loucos<br />

e Carnavais, segue caminho inverso. Para<br />

Heers, a hierarquia do poder local, as querelas<br />

políticas e os valores dominantes estão presentes<br />

nas festas carnavalescas.<br />

Muitos autores tentaram aproximar as interpretações<br />

de Bakhtin da realidade brasileira,<br />

como o antropólogo Roberto DaMatta ao estudar<br />

o carnaval carioca (<strong>19</strong>73). Para DaMatta,<br />

o Carnaval parece ser uma instituição que permite<br />

a visão do Brasil como uma grande<br />

communitas, “onde raças, credos, classes e ideologias<br />

comungam pacificamente ao som do<br />

samba e da miscigenação racial” (<strong>19</strong>73, p.123).<br />

O ritual carnavalesco possibilitaria o rompimento<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 135-146, jan./jun., 2003<br />

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