20.10.2014 Views

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães<br />

ses contraditórios em jogo entre o movimento<br />

negro, por um lado, e professores e alunos já<br />

matriculados, por outro. Uns, os estudantes que<br />

tiveram uma boa educação escolar e que podem<br />

entrar nas universidades públicas através<br />

do vestibular, temem que políticas de acesso<br />

especial para negros diminuam as suas chances,<br />

posto que o número de vagas não se expande<br />

na mesma razão da expansão da demanda; outros,<br />

os professores, temem que a política educacional<br />

do governo tome a via mais fácil, cedendo<br />

às reivindicações negras, mas mantendo<br />

razoavelmente estável o investimento na educação<br />

superior pública, o que, na prática, significaria<br />

o comprometimento do nível de “qualidade”<br />

dos cursos universitários da rede pública.<br />

Ora, como vimos, parte da garantia dessa<br />

qualidade é justamente a relativa estagnação<br />

no tempo da oferta de vagas.<br />

Porque ações afirmativas<br />

Para finalizar, gostaria de mudar o tom do<br />

discurso que adotei até aqui e assumir uma posição<br />

nitidamente mais engajada, favorável às<br />

ações afirmativas que estão sendo demandadas<br />

pelo movimento negro. Para tanto, vou discutir,<br />

no restante deste texto, três argumentos,<br />

usados normalmente para desqualificar a adoção<br />

de políticas de ação afirmativa na educação<br />

superior brasileira: a sua alegada ineficácia,<br />

que seria devida à inexistência, no Brasil,<br />

de identidades de cor bem definidas; as suas<br />

possíveis implicações negativas sobre a qualidade<br />

do ensino público; e o da injustiça que elas<br />

representariam para alguns grupos sociais. Comecemos<br />

pela cor.<br />

Um dos argumentos mais fortes usados, no<br />

Brasil, contra a adoção de políticas que levem<br />

em conta a identidade racial dos indivíduos é de<br />

ordem prática: não haveria fronteiras raciais<br />

bem definidas no país. O argumento, me parece,<br />

é melhor como efeito discursivo, desarmando<br />

os adversários pelo apelo ao senso comum e<br />

às representações consensuais de si mesmo,<br />

que como apelo substantivo ou racional.<br />

Vejamos os dados disponíveis para a USP,<br />

por exemplo. Quando fizemos a pergunta<br />

“Usando as categorias do censo do IBGE, qual<br />

a sua cor?”, oferecendo como respostas possíveis<br />

as cinco alternativas censitárias (branco,<br />

preto, pardo, amarelo e indígena), dos 14.794 alunos<br />

de graduação que responderam ao censo<br />

apenas 0,1% recusou-se a responder ou escolheu<br />

mais de uma opção. Quando selecionamos<br />

uma amostra aleatória, independente do censo,<br />

composta por 1509 alunos, o percentual de nãoresposta<br />

se elevou para 1,7%. Ou seja: está claro<br />

que a população brasileira, em particular a<br />

universitária, cultiva identidade de cor. Serão<br />

essas identidades tão fluidas a ponto de impedir<br />

“políticas de cor”? Creio que não. Mesmo os<br />

autores que ressaltam a “ambigüidade” do sistema<br />

de classificação racial brasileiro, como Peter<br />

Fry (<strong>19</strong>55), reconhecem que este se assenta sobre<br />

uma polaridade básica entre branco e preto.<br />

Historicamente, é para esses pólos que convergem<br />

as reivindicações políticas.<br />

Chegados a esse ponto, talvez convenha<br />

fazer um parêntese para lembrar o que é o sistema<br />

de classificação racial brasileiro em suas<br />

linhas mestras.<br />

“Raça”, no século XIX, no Brasil e no resto<br />

do mundo, ganhou uma conotação científica,<br />

biológica, da qual mesmo hoje temos dificuldade<br />

em nos desembaraçar. Na percepção da<br />

maior parte dos estrangeiros que visitam hoje o<br />

país, assim como na percepção dos viajantes<br />

do século XIX, a população do Brasil é composta<br />

em sua maior parte por mestiços, que não<br />

encontram grandes dificuldades e barreiras<br />

para sua ascensão social 18 . Esta percepção só<br />

é verossímil, entretanto, se trabalharmos com a<br />

categoria biológica de raça, própria ao século<br />

XIX, ainda que seja um fato inquestionável que<br />

a idéia de que somos uma nação mestiça é uma<br />

ideologia ainda hoje presente no Brasil. Paradoxalmente,<br />

entretanto, isso não impede que os<br />

nacionais percebam a existência do racismo <strong>19</strong> .<br />

18<br />

Sobre a percepção dos viajantes sobre a mistura de<br />

raças no Brasil, ver Schwarcz (<strong>19</strong>93).<br />

<strong>19</strong><br />

Em pesquisa realizada em <strong>19</strong>95 por um instituto de<br />

pesquisa, 89% dos brasileiros afirmaram existir preconceito<br />

de cor no Brasil. Ver: Folha de São Paulo e DataFolha<br />

(<strong>19</strong>95).<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>1-204, jan./jun., 2003<br />

201

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!