Edição Nº 19 - Uneb
Edição Nº 19 - Uneb
Edição Nº 19 - Uneb
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Pluralidade cultural, migração e o ensino da língua portuguesa no ensino fundamental<br />
Neste sentido ainda, concordamos com Bourdieu<br />
(<strong>19</strong>82), quando o mesmo afirma que o falar<br />
denuncia o grupo social ao qual um indivíduo<br />
pertence e conseqüentemente sua identidade. E<br />
ainda, segundo este autor, os conceitos de identidade<br />
regional e étnica, língua e dialeto são manipulados<br />
com a finalidade de determinar a representação<br />
das pessoas.<br />
Tal reflexão é importante por pelo menos<br />
dois motivos:<br />
1. O aumento do número de adultos matriculados<br />
no ensino supletivo não aumenta, de fato,<br />
a possibilidade de inserção social desse mesmo<br />
número de adultos;<br />
2. As diferentes discriminações, quando relacionadas<br />
com os falares, acompanham o indivíduo<br />
por todos os lugares do planeta. Assim<br />
vemos nordestinos em Paris sendo discriminados<br />
por sulistas brasileiros, embora<br />
estejam ambos na mesma situação de vida.<br />
Ressaltamos também que o texto religioso<br />
leva à constituição de uma identidade, permite<br />
o encontro com o texto polissêmico que é a Bíblia,<br />
já que a mesma possibilita associações<br />
livres com seus diversos significados. Concordando<br />
com Dominique Ravinet-Javin (<strong>19</strong>92), o<br />
sujeito encontra o seu significado no texto, a<br />
sua palavra, e pode assim se apropriar de sua<br />
própria vida, do real. A Psicanálise nasceu a<br />
partir desta interpretação: o sujeito vem encontrar<br />
o real, o nome do Pai, e toma distância da<br />
mãe, ocorrendo a ruptura. Em suma, para muitos<br />
dos nossos sujeitos, é pelo acesso à palavra<br />
de Deus que o sagrado pode ser vivido em toda<br />
a sua polissemia.<br />
Seguindo as pistas de Bourdieu (<strong>19</strong>82), encontramos<br />
indicação preciosa na direção dos<br />
diferentes falares a respeito das contribuições<br />
de Labov (<strong>19</strong>93), elaboradas a partir do estudo<br />
das produções lingüísticas no Harlem.<br />
Este químico de formação, no livro Le parler<br />
ordinaire: la langue dans les guettos noirs<br />
des Etats-Unis, estuda o “vernaculaire noiramericaine<br />
“ (VNA), dialeto falado hoje pela<br />
maioria dos jovens negros em bairros segregados<br />
de Nova Iorque, Boston, Chicago, Los Angeles,<br />
entre outras cidades, sendo também discurso<br />
familiar íntimo de vários adultos.<br />
Estudioso da questão desde <strong>19</strong>65, o referido<br />
autor (<strong>19</strong>93) faz um estudo detalhado da gramática<br />
e da fonética do VNA, concluindo que<br />
este é um falar autônomo regional, com léxico,<br />
pronúncia e gramática próprios, pertencente a<br />
um grupo étnico específico e que o mesmo define<br />
a pertinência social de seus falantes e a<br />
identidade dos mesmos.<br />
Para Labov (<strong>19</strong>93), as diferenças dialetais<br />
são um símbolo de conflito de classes e culturas<br />
existentes em diversos países. Decorrente<br />
deste fato, crianças falantes do VNA têm sérias<br />
dificuldades para aprender a leitura e a escrita<br />
do inglês padrão. O autor destaca pelo menos<br />
sete dificuldades:<br />
1. Os alunos têm dificuldade para entender o<br />
inglês falado das professoras e professores.<br />
2. As crianças têm dificuldade para ler e entender<br />
o sentido das frases.<br />
3. Há dificuldade de se comunicar com a professora<br />
através do inglês falado.<br />
4. Há dificuldade de se comunicar por escrito<br />
utilizando a gramática.<br />
5. Há dificuldade do uso ortográfico.<br />
6. Há dificuldade em falar com a gramática<br />
padrão.<br />
7. Há dificuldade de pronunciar como o modelo<br />
de prestígio.<br />
Labov (<strong>19</strong>93) apresenta ainda uma série de<br />
traços lingüísticos no VNA distintos do inglês<br />
padrão, os quais destacaremos a seguir:<br />
1. Ausência do “r” no final das palavras.<br />
2. Ausência de “r” no meio de algumas palavras.<br />
3. Ausência de “l”.<br />
4. Simplificação de grupos de consoantes.<br />
5. Diferenciação na pronúncia.<br />
6. Confusão entre os sons do “t” e do “d”, do<br />
“g” e o “K”, do “i” e do “e”.<br />
7. Formação distinta dos tempos verbais.<br />
8. Estatuto gramatical do sufixo s diferenciado.<br />
9. A questão da contração.<br />
10.Construção da negação diferenciada.<br />
11. Uso de comparativos diversos.<br />
12.Estrutura interrogativa diferenciada.<br />
13.Contração das palavras distinta.<br />
14.O que é esquecido na pronúncia.<br />
15.Acentuação da frase e das suas partes oralizadas<br />
de diferentes maneiras.<br />
16.A desaparição de algumas letras na fala.<br />
176 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 173-180, jan./jun., 2003