Edição Nº 19 - Uneb
Edição Nº 19 - Uneb
Edição Nº 19 - Uneb
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
capazes, atualidade ativa”. Para ele, no caso<br />
do voto, a atualidade seria “diretamente pessoal”,<br />
tornando-se o direito incompatível com a<br />
tutela. Portanto, “direito é o sufrágio para os<br />
habilitados a votar livre e conscientemente”;<br />
somente neste caso, o voto torna-se direito e<br />
função. Por isso, a independência e o discernimento<br />
seriam requisitos vitais para um regime<br />
de eleição moralizado e livre.<br />
Aguilhoado pela crítica dura de José Bonifácio<br />
e de outros “dissidentes”, passa Rui Barbosa<br />
a argumentar em favor da idéia de que o<br />
projeto era, sim, de acordo com as ideais liberais<br />
em manifestações diversas de líderes do<br />
Partido Liberal, em várias ocasiões. Citando<br />
Saraiva, em 1875:<br />
“O liberalismo sensato não diz - vote o homem<br />
que vive do seu jornal e não tem um jornal para<br />
ler” [trocadilho com a palavra jornal, no duplo<br />
sentido: viver de trabalho diário e não ter jornal<br />
- periódico - para ler]. “O Liberalismo verdadeiro<br />
diz: Vote quem puder; e habilite-se a população<br />
toda para votar”... A soberania de que falo é a do<br />
povo que está no caso de votar... Não quero<br />
nem o absolutismo dos príncipes, não obstante<br />
sua educação, nem o absolutismo da ignorância,<br />
das multidões brutas: a inteligência deve<br />
governar e só ela. (BRASIL, <strong>19</strong>85, p. 230)<br />
Segue ainda citando os nomes dos membros<br />
do partido Liberal que, em diversas ocasiões,<br />
se haviam manifestado contra o voto dos analfabetos.<br />
Em seguida, vai buscar dentro da própria<br />
teoria liberal – ou seja, no pensamento de<br />
grandes teóricos do liberalismo – a justificação<br />
da justeza de suas proposições. Recorre a<br />
“Prévost-Paradol (França) e a Stuart Mill (Inglaterra).<br />
Citando este:<br />
Somente os homens em quem uma teoria irrefletida<br />
emudeceu o senso comum sustentarão que<br />
se deva entregar o poder sobre os outros, o poder<br />
sobre a comunidade inteira, a indivíduos que<br />
não tenham adquirido as condições mais ordinárias<br />
e essenciais para curar de si mesmos, para<br />
gerir com inteligência os próprios interesses e<br />
os das pessoas que proximamente lhes digam<br />
respeito. (BRASIL, <strong>19</strong>85, p. 230)<br />
Segundo Rui Barbosa, Mill exclui não apenas<br />
os que não sabem ler e escrever, como também<br />
os que não têm noções mínimas de cálculo.<br />
Contrargumentando aos que dizem que esse<br />
raciocínio não se aplica no Brasil, dada a extensão<br />
do analfabetismo (como conseqüência,<br />
o Sufrágio deveria vir antes que a Instrução),<br />
diz que isso contraria o pensamento de<br />
Mill. O analfabeto, por sê-lo, teria uma incapacidade<br />
individual, intrínseca, radical; assim, onde<br />
não está generalizada a alfabetização, primeiro<br />
se alfabetize, depois se dê o direito ao voto.<br />
Quando a sociedade não tem cumprido o seu<br />
dever, fazendo acessível a todos esse grau de<br />
instrução, há realmente injustiça, mas injustiça<br />
que não nos deve enlear: se de duas solenes<br />
obrigações descuidou-se a sociedade, satisfaça-se<br />
primeiro a mais importante e a mais fundamental<br />
das duas; o ensino universal preceda o<br />
sufrágio universal. (BRASIL, <strong>19</strong>85, p. 230)<br />
O fato de que a maioria da população brasileira,<br />
naquele momento, era analfabeta, o que inclusive<br />
havia feito com que alguns parlamentares<br />
liberais (inclusive alguns dos citados por Rui)<br />
tivessem mudado de opinião quanto à oportunidade<br />
de excluir aos analfabetos tendo em vista o<br />
número diminuto que sobrava para ser eleitor,<br />
para Rui não mudava a essência da questão: a<br />
capacidade eleitoral. Maior motivo para estar<br />
contra o voto do analfabeto é o seu grande número,<br />
diz Rui. E arremata: “Em face ao dilema ou<br />
não sois liberais ou haveis de incluir os analfabetos,<br />
respondemos: Não; somos liberais e excluímos<br />
os analfabetos; excluímos os analfabetos<br />
porque somos liberais” (BRASIL, <strong>19</strong>85,<br />
p.230).<br />
A partir daí, em resposta à opinião de José<br />
Bonifácio, de que o que dá o direito de intervir<br />
no governo de um país como votante é a consciência<br />
da própria posição, acrescentada à consciência<br />
da vontade alheia, argumenta Rui: o que<br />
dá a consciência clara é a leitura:<br />
Como é que se elabora, nos povos de hoje, esse<br />
difícil sentimento, o sentimento da individualidade<br />
na coletividade, o sentimento complexo dos<br />
deveres e direitos mútuos entre o Estado e os<br />
cidadãos? Pelos meios que estabelecem comunicação<br />
efetiva, permanente, inteligente, entre<br />
todos os membros da comunidade. Quais são<br />
esses meios? Dois. O primeiro é o jornal, o grande<br />
agente da educação nacional no mundo contemporâneo,<br />
que todo mês, toda quinzena, toda<br />
semana, toda manhã, toda tarde, vai levar ao<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
29