Edição Nº 19 - Uneb
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Narcimária Correia do Patrocínio Luz<br />
Quando nos referimos a arkhé, estamos lidando<br />
com princípios inaugurais, origem, começo,<br />
continuum, dinâmicas de criação-recriação,<br />
transcendências que orientam o devir-futuro,<br />
estabelecendo a relação visceral entre tradição<br />
e contemporaneidade.<br />
Sobre o eidos, desdobra-se a compreensão<br />
da dimensão ontológica da diversidade humana,<br />
marcada pela angustiante procura de respostas<br />
sobre o estar no mundo, no universo, a<br />
pulsão da existência enriquecida pela linguagem<br />
mítica presentificada e absorvida no viver cotidiano<br />
das comunalidades.<br />
O ethos projeta o emocional-lúcido que envolve<br />
o discurso das comunalidades, expressando<br />
suas dinâmicas territoriais; instituições; visão<br />
de mundo; modos e formas de comunicação,<br />
portando e elaborando conhecimentos, emoções<br />
e gênese de criatividade, característica de universos<br />
simbólicos e formas comunitárias.<br />
É sobre esse corolário da episteme africana<br />
que desenharemos contornos reflexivos importantes,<br />
procurando estabelecer a dialética necessária<br />
às recriações de linguagens pedagógicas<br />
que possam influenciar, com veemência,<br />
políticas educacionais que acolham as diversidades<br />
culturais que mapeiam as sociedades<br />
contemporâneas.<br />
Atenção! Essas noções não podem ser confundidas<br />
pela leitura, dicotômica, linear, irreversível<br />
e simétrica que sobredetermina a produção<br />
acadêmico-científica positiva.<br />
Para aproximarmo-nos dessas noções, é<br />
necessária a elaboração de luto da onipotência<br />
edipiana, que alimenta o monopólio da fala que<br />
exploramos na primeira parte do ensaio.<br />
A fim de evitar esses equívocos, alguns autores/estudiosos,<br />
no campo da diversidade humana<br />
e/ou diversidades culturais, vêm-se dedicando<br />
a interpretar o discurso da comunalidade<br />
africano-brasileira, inserindo-o no âmbito do discurso<br />
teórico da sociedade oficial. Trata-se de<br />
um esforço de traduzir a episteme africana,<br />
procurando emitir idéias que contextualizem, no<br />
discurso acadêmico, o continente teórico-epistemológico<br />
africano.<br />
É preciso referir-se com prudência ao fundamento<br />
da bacia semântica positivista, com o<br />
propósito de convidar o leitor ao despojamento<br />
teórico do esquematismo, mensuração e engradamento,<br />
referência absoluta da sua formação<br />
acadêmica, positivista.<br />
Tudo que o positivismo pretenderá apagar, aplainar,<br />
unidimensionalizar, retorna revigorado, como<br />
que para significar, de uma maneira mais ou menos<br />
trivial, que não há saber absoluto. Do mesmo<br />
modo que somos obrigados a compor com a<br />
alteridade ou com a morte, é preciso que saibamos<br />
admitir a contradição na estática e na dinâmica<br />
das sociedades. (...) O conceito é uno, ou,<br />
pelo menos, compõe-se com conceitos vizinhos<br />
para construir uma unidade. Determina a verdade,<br />
o que deve ser a verdade. Tudo o que escapa<br />
ao seu domínio incide em erro e perde direito à<br />
existência. Eis um tanto esquematizada, a lógica<br />
do “dever-ser” que caracteriza a atitude<br />
conceitual. (MAFFESOLI, <strong>19</strong>85, p.58).<br />
O que propomos como ruptura:<br />
No que tange ao conhecimento, a atividade<br />
nocional se dá conta da heterogeneidade; ela<br />
fornece acerca de um mesmo objeto esclarecimentos<br />
diversos; enfim, indica que um tal objeto<br />
é a um só tempo isto e aquilo. Ela evita ainda que<br />
se transforme uma verdade local numa verdade<br />
universal. Do momento que se reconhece a falência<br />
ou ao menos a relativização do descomedimento<br />
prometéico, do qual é o conceito uma<br />
modulação, é necessário saber aceitar a modéstia<br />
da noção. Nosso estatuto, enquanto intelectuais,<br />
em nada será afetado; ao contrário, encontrará<br />
seu lugar devido na participação orgânica<br />
da sociedade. (MAFFESOLI, <strong>19</strong>85, p.60)<br />
Feitas essas considerações, podemos nos<br />
aproximar de um outro continente teóricoepistemológico<br />
de onde eclode vida e pulsão<br />
existencial.<br />
PULSÃO DE COMUNALIDADE<br />
O outro gradiente de escuta que propomos<br />
ao leitor a partir de agora, na intenção de promover<br />
a compreensão sobre os princípios seminais<br />
– arkhé, eidos e ethos, estruturadores de comunalidade<br />
–, está plenamente entrelaçado com o<br />
legado estético sagrado de Deóscoredes<br />
Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi Axipá,<br />
uma das mais expressivas lideranças do<br />
continuum africano nas Américas, e personalidade<br />
exponencial da educação contemporânea.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003<br />
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