Edição Nº 19 - Uneb
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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
1. O ideal seria o sufrágio universal, mas não o<br />
vamos propor porque não estamos preparados<br />
para isto. Deixamos para o futuro.<br />
2. Apesar de acreditar que o voto é um direito e<br />
uma função social, entende que o seu exercício<br />
está condicionado à independência e ao<br />
discernimento. Para ele, os direitos naturais<br />
não teriam atualidade ativa para os incapazes<br />
de exercê-lo senão sob a tutela dos<br />
capazes. Somente estes seriam titulares do direito<br />
ao voto.<br />
3. A reforma, portanto, na medida em que não<br />
vê possível o sufrágio universal, necessita de<br />
um critério para a qualificação do eleitor. A partir<br />
daí, propõe dois censos: o pecuniário e o literário,<br />
com a argumentação de que seria necessário,<br />
“até certo ponto, desdemocratizar o<br />
sistema eleitoral para torná-lo mais representativo”.<br />
O discurso de José Bonifácio que, desde o<br />
mesmo Partido Liberal, faz oposição ao projeto<br />
de reforma da lei eleitoral, apresenta as seguintes<br />
críticas: o projeto é conservador, contraria os princípios<br />
do partido liberal, na medida em que, ao<br />
invés de ampliar o eleitorado, o restringe; na<br />
medida em que exclui mais de 80% da população<br />
brasileira da condição de eleitor, portanto,<br />
implicando numa limitação da soberania popular;<br />
assim, criaria “castas” na população, excluindo<br />
o povo da nação brasileira 14 ; por fim, ao “desnacionalizar<br />
as massas ativas”, estaria condenando<br />
ao “hilotismo político” as mesmas massas.<br />
Na sua resposta, Rui deixa claro o seu projeto<br />
para a sociedade brasileira – a “democracia”<br />
liberal, sem a soberania popular. Voto de<br />
qualidade, exclusão dos analfabetos e daqueles<br />
que, por terem baixa renda, seriam dependentes<br />
de alguém para sobreviver e, portanto, não<br />
teriam independência no seu voto. O voto seria<br />
um direito para aqueles habilitados a votar livre<br />
e conscientemente. No seu texto, discutida a<br />
dupla característica de direito e função social<br />
do voto e a necessidade, segundo ele, da capacidade<br />
para exercê-los, busca então argumentar<br />
como e porque seria necessário e possível<br />
qualificar os eleitores, visto que, no Brasil, não<br />
teríamos “uma aristocracia como a inglesa ou<br />
uma burguesia como a francesa” (p. 222), de<br />
onde viesse a se constituir a sociedade política.<br />
Toma, portanto, como ponto de partida, que o<br />
Brasil seria uma “democracia” e que a luta pela<br />
igualdade, antes que oposição a ela, demandava<br />
um caminho seguro, regular, que permitisse<br />
a sua construção, ou melhor, o seu desenvolvimento<br />
gradual.<br />
A Reforma Eleitoral, introduzindo o voto direto,<br />
era uma antiga reivindicação da sociedade<br />
política brasileira, em especial dos liberais.<br />
Até aquele momento, as eleições se davam em<br />
dois turnos: no primeiro, a massa dos cidadãos<br />
ativos – em 1879, em torno de 1.800.000 pessoas<br />
(que correspondiam aos homens, maiores<br />
de 25 anos, com renda mínima anual de<br />
100.000$000 réis) – escolhia os eleitores, numa<br />
proporção de 1/18 cidadãos votantes. Não existiam<br />
outras restrições, apenas os libertos não<br />
podiam votar e ser votados para a Câmara. Os<br />
eleitores votavam para a Assembléia dos Estados<br />
e para o Parlamento Nacional.<br />
Decidida a realização da Reforma, o Imperador<br />
dissolve o Gabinete Conservador e entrega<br />
o governo ao Partido Liberal, para que a<br />
promova. O projeto apresentado teve redação<br />
de Rui Barbosa, que também trabalhou na redação<br />
da Lei afinal aprovada, em 1881, já então<br />
sob a responsabilidade do Conselheiro Saraiva.<br />
Esse discurso é pronunciado após a aprovação<br />
do projeto pela Câmara e antes da sua<br />
recusa pelo Senado; tem como finalidade tentar<br />
convencer o Senado da possibilidade de efetuar<br />
uma reforma constitucional através de lei<br />
comum e, principalmente, reafirmar o conteú-<br />
14<br />
Caberia acrescentar que boa parte do partido liberal era<br />
contra o projeto. Também Joaquim Nabuco, líder<br />
abolicionista, se manifesta contra. Nabuco se manifesta a<br />
favor do sufrágio universal. Para ele, a luta dos liberais<br />
devia se dar no alargamento do direito ao voto, jamais por<br />
sua restrição; no sentido da liberdade e da independência<br />
do eleitor, jamais do seu controle ou manipulação. Era,<br />
portanto, para ele totalmente descabido que justamente o<br />
Partido Liberal propusesse a Reforma Eleitoral a base da<br />
elevação do Censo e da exclusão dos analfabetos: tiravase,<br />
nas suas palavras, o direito ao voto de milhares de<br />
“homens pobres” justamente aqueles que nenhuma culpa<br />
tinham das deformações do sistema. (NOGUEIRA, <strong>19</strong>84).<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
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