Edição Nº 19 - Uneb
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Do monopólio da fala sobre educação à poesia mítica africano-brasileira<br />
O legado do Mestre Didi constitui um universo<br />
de criações estéticas singulares que carregam<br />
ancestralidade e visão de mundo próprias<br />
da civilização africana, abrindo perspectiva de<br />
coexistência com outros patrimônios civilizatórios.<br />
Pertencente a importante linhagem de Ketu,<br />
Mestre Didi teve sua iniciação no culto do orixá<br />
Obaluaiyê que junto aos orixá Nanã e Oxumarê<br />
compõem o panteão da Terra, expressões míticas<br />
que nucleiam suas obras.<br />
Seu compromisso como Assogbá, Sacerdote<br />
Supremo, título que recebeu de Mãe Aninha<br />
Iyalorixá Oba Biyi, é executar e sacralizar os<br />
emblemas rituais de seu culto, e isso o torna<br />
herdeiro e continuador dessa experiência ancestral<br />
africana.<br />
Desde a sua infância, Mestre Didi produz<br />
objetos rituais, cuja extensão são belíssimas recriações<br />
no campo das artes escultóricas, obtendo<br />
consagração nacional e internacional.<br />
Além disso, muito pequenino teve o privilégio<br />
de viver imerso no universo mítico literário africano,<br />
que o levou a adaptar diversos contos que<br />
vêm influenciando, sobremaneira, a proposição<br />
curricular de iniciativas de vanguarda na área<br />
de educação.<br />
Mestre Didi possui o título de Alapini, Supremo<br />
Sacerdote do Culto Egungun, e exerce a<br />
liderança da comunidade-terreiro Ilê Axipá, uma<br />
das mais expressivas nas Américas.<br />
Mestre Didi foi iniciado na tradição do culto<br />
Egungun por Marcos Alapini, aos 8 anos de idade,<br />
recebendo o título de Korikouê Olukotun.<br />
Quando fez quinze anos, foi que Iyá Oba Biyi,<br />
yalorixá fundadora do terreiro Ilê Axé Opô<br />
Afonjá, deu-lhe o título de Assogbá-Sumo Sacerdote<br />
do culto de Obaluaiyê, no Ilê Axé Opô<br />
Afonjá. Esse título significa o consertador de<br />
cabaças, renovador da vida, Sacerdote Supremo<br />
do templo de Obaluaiyê.<br />
Em <strong>19</strong>80, Mestre Didi funda o Ilê Axipá, comunidade-terreiro<br />
de culto Egungun, que caracteriza<br />
a continuidade dos valores do Império Nagô<br />
na Bahia. No Ilê Axipá, está reunida a tradição<br />
fundada pelo Alapini Marcos, do antigo terreiro<br />
de Tuntun, englobando o culto aos espíritos ancestrais,<br />
as Iya Agbá, as Mães Ancestrais zeladoras<br />
e transmissoras de Axé, que, quando falecidas,<br />
integram a poderosa corrente mítica da<br />
comunidade (SANTOS, <strong>19</strong>85, p.16).<br />
Ressalte-se, porém, que o Mestre Didi pertence<br />
à família Axipá, originária de Oyó e uma<br />
das fundadoras da cidade de Ketu. Essa família<br />
repõe no Brasil, especificamente na Bahia,<br />
uma dinâmica sócio-política, mítico-religiosa da<br />
cultura Nagô expressa em casas tradicionais<br />
como o Ilê Axé Opô Afonjá. Mestre Didi é neto<br />
de Iyá Oba Biyi e filho de sangue de Mãe Senhora<br />
7 . É o membro mais velho da família Axipá<br />
no Brasil. Podemos afirmar que é um Omo Bibi,<br />
um bem-nascido.<br />
Em uma de suas viagens à África, em <strong>19</strong>67,<br />
quando realizava uma pesquisa para a Unesco,<br />
comparando a tradição dos Orixá da Bahia com<br />
os da África, Mestre Didi viveu um dos momentos<br />
mais emocionantes de sua vida ao encontrar<br />
os descendentes de sua família Axipá.<br />
A narrativa que se segue desse encontro,<br />
além da emoção contida, nos remete, ratificando<br />
com profundidade, a princípios de arkhé,<br />
eidos e ethos de uma elite africana, que preserva<br />
com dignidade a tradição Nagô expandindo<br />
nas Américas comunalidades<br />
Vejamos:<br />
Foi combinado com Pierre Verger que iríamos<br />
visitar o Rei da nação Ketu, no Daomé, África,<br />
para descobrir a família Axipá. Chegando lá, ele,<br />
conhecido por todos como Babalaô Fatumbi e<br />
amigo do Rei, fez nossa apresentação. Entreguei<br />
minha oferenda: uma garrafa de vinho. Imediatamente<br />
após agradecer, o Rei mandou abrir a garrafa<br />
e servir a todos os presentes, ficando, como<br />
é de costume, para se servir por último. Conversa<br />
vai, conversa vem, eu disse que era descendente<br />
da terra de Ketu, e ele, espantado com o<br />
meu Nagô-yorubá, mandou que eu desse prova<br />
do que havia dito. E assim foi que cantei algumas<br />
cantigas enaltecendo a terra, o Rei e a riqueza<br />
de seu povo.<br />
Então ele, todos os ministros e as demais pessoas<br />
que lá se encontravam na ocasião, ficaram<br />
surpresos e me escutaram emocionados, sem ter<br />
nunca imaginado que, do outro lado do oceano,<br />
existisse alguém capaz de cantar os cânticos tradicionais<br />
da nossa terra, dos nossos antepassa-<br />
7<br />
Ambas foram lideranças expressivas, Iyalorixás na comunidade-terreiro<br />
Ilê Axé Opô Afonjá.<br />
68 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003