Edição Nº 19 - Uneb
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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
B. O Parecer - projeto sobre ensino<br />
primário e outras instituições complementares<br />
O segundo documento, em ordem cronológica,<br />
elaborado por Rui Barbosa em sua passagem<br />
pelo parlamento do Império, foi o projeto<br />
sobre ensino primário (BARBOSA, <strong>19</strong>84). Com<br />
duas redações, uma em maio de 1882 e outra<br />
em setembro de 1882, o parecer teria sido elaborado<br />
a pedido do Imperador, em virtude do<br />
malogro da reforma Leôncio de Carvalho, de<br />
1879. A existência das duas versões é explicada<br />
por Lourenço Filho como sendo dependente da<br />
chegada de material sobre o estado da Educação<br />
em vários países da Europa e da América,<br />
solicitado e obtido por Rui Barbosa. Assim, o<br />
documento elaborado (examinamos a 2a versão,<br />
completa) conta com a costumeira erudição dos<br />
trabalhos de Rui Barbosa. Exaustivo, compara a<br />
situação educacional do Brasil nos fins do século<br />
passado com a dos diversos países da América<br />
e da Europa: de nenhuma forma a situação<br />
por ele encontrada nos é favorável.<br />
A comparação, feita com vistas a justificar<br />
a necessidade de um projeto civilizatório pela<br />
via da escola, trabalha a partir de um diagnóstico<br />
do ensino no Brasil. Trabalhando com os<br />
dados estatísticos então existentes, Rui Barbosa<br />
os discute comparando as estatísticas de instrução<br />
– matrícula e freqüência – com a situação<br />
educacional da população como um todo,<br />
segundo o Censo Demográfico de 1872: analfabetismo<br />
e população escolarizável. Sempre<br />
excluindo os escravos dos seus cômputos, já<br />
que pela legislação então existente era-lhes proibido<br />
o acesso ao ensino, raciocina sempre em<br />
termos do crescimento futuro do contingente<br />
dos livres. Sua proposta de educação primária,<br />
no entanto, é feita em termos genéricos – não<br />
se dirige a um dos dois contingentes, mas à população<br />
de 7 a 14 anos.<br />
No capítulo I do parecer, discute, portanto,<br />
a situação do ensino popular. Critica o otimismo<br />
oficial, comparando-o com “a verdade dos<br />
números”. Fala em uma indolência do progresso<br />
escolar, visto que o crescimento do número<br />
de escolas primárias é muito pequeno ao ano,<br />
afirmando que a velocidade de crescimento<br />
decresce no período de 70 a 78 (p. 28). Comparando<br />
a matrícula com a população, demonstra<br />
que apenas 1,08% da população livre tem<br />
acesso à escola; e que, entre 1857 e 1878, o<br />
crescimento desse acesso foi da ordem de<br />
0,027% anualmente. Critica:<br />
... com essa celeridade de milésimos por ano,<br />
careceríamos de 37 anos para que a inscrição<br />
crescesse 1% e, como a nossa população em<br />
idade escolar (6 a 15 anos) está para a população<br />
livre na razão de 22,6%, em menos de 799 anos<br />
não teríamos chegado à situação que se anela, ...<br />
onde toda a população em idade escolar recebe<br />
a instrução primária. (BARBOSA, <strong>19</strong>84, p. 17, v.<br />
10, tomo 1)<br />
Mostra, então, seu conhecimento de que o<br />
Brasil era, naquele momento, uma nação de<br />
analfabetos, a ponto de estar no limite do que<br />
chama de mundo civilizado. Para demonstrar<br />
isto, faz comparações com os diversos países<br />
da América e da Europa, chamando a atenção<br />
de que, naquele momento (1882), a situação<br />
educacional na Argentina já era melhor do que<br />
no Brasil, citando especificamente o Censo<br />
Escolar de Buenos Aires de 1881 (p.58-60).<br />
Em vista da situação diagnosticada, passa a<br />
discutir o papel do Estado na oferta da educação.<br />
Sustenta então a posição de que o Estado<br />
deve ter uma presença forte na oferta da educação<br />
(discordando, explicitamente neste caso,<br />
dos positivistas). Deve existir uma organização<br />
nacional do ensino, desde a escola até as faculdades,<br />
não se devendo “submeter os problemas<br />
educacionais às leis econômicas da oferta e da<br />
procura”. Argumenta que a existência do ensino<br />
livre não poderia suprir a falta do ensino oficial,<br />
que deveria ser completamente leigo. E<br />
afirma a gratuidade (já prevista na constituição<br />
de 24 para o ensino primário) e a obrigatoriedade<br />
do ensino como sendo elementos intercomplementares:<br />
... Numa constituição democrática não pode ser<br />
outro o fito dos sacrifícios impostos ao estado<br />
pela difusão gratuita dos rudimentos de educação<br />
intelectual senão a necessidade, passada em<br />
julgado, de que eles sejam comuns a todos os<br />
habitantes válidos do país. Mas a proclamação<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
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