Edição Nº 19 - Uneb
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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />
voto do analfabeto como forma de incentivar a<br />
expansão do ensino – que não é, segundo nos<br />
parece, o centro de sua argumentação:<br />
Replicais: - Se abundam os analfabetos é porque<br />
rareiam as escolas. Mas nem isso é razão que<br />
demonstre a capacidade eleitoral dos analfabetos;<br />
nem o temor da preponderância dos analfabetos<br />
é o móvel mais plausível para incitar o<br />
governo à multiplicação das escolas; nem o estímulo<br />
que há de avivar no analfabeto o apetite de<br />
aprender está em sentir-se nivelado no direito<br />
político aos cidadãos intelectualmente superiores.<br />
Dai preço ao voto; fazei dele um instrumento<br />
de influência decisiva na sorte das administrações;<br />
ligai-o à instrução; ligai à ausência dela<br />
a privação dele; e, tornando o eleitorado uma<br />
posição, dignamente cobiçável, fareis cobiçar a<br />
instrução elementar, ao menos, degrau legal para<br />
ele. (BRASIL, <strong>19</strong>85, p. 245)<br />
Argumenta, por fim, com relação ao aumento<br />
do censo pecuniário, entender ser ele,<br />
módico, mas, mais que tudo, inofensivo: sendo<br />
excluídos os analfabetos, os que sobrarem certamente<br />
estarão entre os de renda mínima; o<br />
que demonstra que tinha conhecimento, consciência,<br />
de que o acesso à escola estava ligado<br />
à questão econômica e de que, excluindose<br />
os analfabetos, se estava excluindo os mais<br />
pobres.<br />
Assim, a sua proposta de exclusão dos analfabetos,<br />
embora até mascarada de instrumento<br />
de pressão para que se ampliasse o acesso<br />
à escola, está, na verdade, articulada a um projeto<br />
de governo, liberal, sob múltiplas influências,<br />
que vão de Spencer a Stuart Mill, em que<br />
ao evolucionismo social do primeiro se agrega<br />
a visão de um governo de qualidade, do voto<br />
de qualidade, proposto pelo segundo, em que<br />
se pretende que a verdadeira liberdade consiste<br />
no estabelecimento de controles da maioria<br />
pela minoria, seja via Estado – colocado<br />
por uns como realizador da vontade comum –<br />
seja via Parlamento, em que este, embora representando<br />
a maioria dos votantes, ainda assim<br />
devia sofrer algum tipo de controle que<br />
permitisse a liberdade individual, contraposta<br />
à liberdade coletiva. 17<br />
Para Rui Barbosa, e para o projeto de Governo<br />
que naquele momento representava, o<br />
governo devia ser o governo da minoria ilustrada,<br />
“letrada” – a inteligência, de que ele<br />
próprio era representante – mas que, no fundo,<br />
como os resultados da República vieram<br />
depois a demonstrar, que vinha a servir às intenções<br />
da conservação da ordem. No texto,<br />
deixa claro estar vinculada a direção dada à<br />
Reforma Eleitoral a um projeto de governo e<br />
à “responsabilidade” dele decorrente: ao criticar<br />
o discurso de José Bonifácio, diz “sob as<br />
apóstrofes quase épicas da sua paixão... há<br />
uma figura soberana que não vimos passar: a<br />
ciência austera, prudente, observadora, do<br />
governo. Faltou-lhe um instrumento à corda,<br />
que a lira não admite: a da investigação prática.<br />
Fugiu-lhe ao talento uma intuição: a da realidade”.<br />
E completa: se o orador se visse com<br />
a responsabilidade do poder sobre os ombros,<br />
o espectro das lições do passado, a voragem<br />
dos perigos do presente e as severidades do<br />
futuro ante os olhos, seguramente sentiria “o<br />
vazio de seus raciocínios”, a impossibilidade<br />
de realizar seus compromissos (p.224).<br />
Este programa de governo, liberal, e ao mesmo<br />
tempo conservador, prudente, exeqüível, incluía,<br />
segundo enumeração apresentada às folhas<br />
271: a secularização da escola (veja-se,<br />
não era sua expansão, a sua obrigatoriedade,<br />
mas a secularização), do registro civil, do casamento,<br />
do cemitério, do ensino público, do<br />
código penal e a abolição das incapacidades<br />
religiosas”... E mais as reformas complementares<br />
da liberdade eleitoral, como as incompatibilidades<br />
parlamentares, a reforma da polícia<br />
e da magistratura, as reformas econômicas,<br />
as descentralizadoras, a municipal, a emancipação<br />
do ensino, as leis de naturalização. (O<br />
autor, neste trecho, enumera as reformas que<br />
acha necessárias para a sociedade brasileira<br />
naquele momento, ao tempo em que afirma a<br />
desnecessidade de convocação de uma constituinte<br />
para a realização destas reformas).<br />
Veja-se que, na sua pauta, não fala, embora<br />
esteja em 1879, na abolição da escravidão. Fala<br />
17<br />
Para entender o pensamento de Stuart Mill: Weffort<br />
(<strong>19</strong>89), Merquior (<strong>19</strong>91), Bobbio (<strong>19</strong>95), Bobbio/Bover<br />
(<strong>19</strong>86). Do mesmo Stuart Mill, Sobre la Libertad, <strong>19</strong>54.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />
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