20.10.2014 Views

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Fábio Josué Souza Santos<br />

daí a angústia de ensinar em classes multisseriadas<br />

onde os(as) alunos(as) não estão na<br />

mesma série e a turma não é homogênea (para<br />

os que defendem a seriação como solução para<br />

a escola rural, cabe aqui o questionamento se<br />

algum dia existiu uma turma de alunos iguais?);<br />

daí a dificuldade de fazer pesquisas em materiais<br />

escritos (revistas, jornais, panfletos), quando<br />

estes não existem na roça. A escola na roça,<br />

não sendo a mesma da escola urbana em seu<br />

contexto e condições infra-estruturais, é pensada<br />

como uma anomalia. Assim, o contexto<br />

rural, olhado pelos olhos urbanos, é de uma carência<br />

total, é o lugar onde tudo falta. É preciso<br />

assumir a escola da roça como ela é, o que não<br />

significa deixar de lutar, incansavelmente, para<br />

que ela um dia possa oferecer a seus(suas)<br />

professores(as) e alunos(as) o mínimo de dignidade<br />

possível.<br />

3. DIVERSIDADE CULTURAL E EDU-<br />

CAÇÃO (DA ROÇA)<br />

Entendemos ser importante colocar que a<br />

defesa que aqui se faz da cultura rural, através<br />

da defesa de uma escola da roça, não se situa<br />

nem nas esferas dos ditames econômicos neoliberais,<br />

que advogam uma reestruturação da<br />

escola rural com vistas a preparar um trabalhador<br />

mais afinado às exigências dos processos<br />

produtivos reclamados pela modernização da<br />

agricultura nestas últimas décadas, conforme<br />

parece advogar Couto Filho (<strong>19</strong>99), nem se<br />

enquadra no âmbito de uma visão liberal do<br />

multiculturalismo que advoga, tão-somente, a<br />

tolerância e o respeito pela cultura dos grupos<br />

excluídos; nem tampouco situa-se dentro do que<br />

Sousa Santos (apud MOREIRA, 2002, p.21)<br />

chama de “cultura de testemunho”, que contribui<br />

para isolar grupos, criar guetos, sustentando<br />

um novo apartheid cultural. A perspectiva<br />

aqui defendida assemelha-se ao que propõe<br />

Moraes (<strong>19</strong>99, p.15), quando coloca que, ao se<br />

levantar uma crítica ao modelo de escola vigente<br />

no meio rural:<br />

... não se pretende consagrar, venerar ou cultuar<br />

os conhecimentos dos agricultores, com saudosismo<br />

e romantismo. Busca-se apenas fomentar<br />

a interação crítica entre o conhecimento elaborado<br />

pelos agricultores e o elaborado pelos acadêmicos<br />

ou pelos cientistas.<br />

Na perspectiva que estamos colocando, entendemos<br />

ser, então, necessário problematizar<br />

as condições culturais e as relações de poder<br />

imbricadas num processo em que, historicamente,<br />

excluíram e continuam a excluir, e a silenciar,<br />

as manifestações culturais de certos grupos,<br />

em benefício de outros. É preciso, portanto,<br />

ter cuidado com as pretensões supostamente<br />

inclusivas e democráticas do multiculturalismo<br />

liberal (ou neoliberal?).<br />

Vários autores, como Hall (<strong>19</strong>97), Fleuri<br />

(2002) e Moreira (2002), têm apontado que o<br />

reconhecimento da existência da pluralidade cultural<br />

é consensual nos tempos atuais e, nesse<br />

sentido, o “... discurso em defesa do pluralismo<br />

cultural, do multiculturalismo ou ainda da diversidade<br />

cultural, vem sendo reiteradamente incluído<br />

em documentos oficiais referentes a políticas<br />

de currículo nacional de diferentes países”<br />

(LOPES, 2000, p.1). Entretanto, esses termos<br />

são ambíguos e enganadores e, sob cada um<br />

desses rótulos, cabem perspectivas as mais diversas.<br />

Moreira (2002), analisando o multiculturalismo,<br />

termo que tem sido mais presente nas<br />

produções que discutem a questão da diversidade<br />

cultural, reporta-se a Stoer e Cortesão (<strong>19</strong>99)<br />

para distinguir duas grandes perspectivas teóricas.<br />

A primeira perspectiva, segundo Moreira<br />

(2002, p.18), o multiculturalismo benigno, “... restringe-se<br />

a identificar as diferenças e a estimular<br />

o respeito, a tolerância e a convivência entre<br />

elas”; na outra perspectiva, encontra-se o<br />

multiculturalismo crítico, cujo propósito é “...<br />

desestabilizar as relações de poder envolvidas<br />

nas situações em que as diferenças coexistem”.<br />

Lopes (2000), por sua vez, afirma que a aceitação<br />

da pluralidade cultural pode ser concebida<br />

num contexto de conflitos ou num contexto de<br />

consenso. Esses autores chamam atenção para<br />

um aspecto nem sempre considerado nas discussões<br />

sobre o multiculturalismo: a associação<br />

entre diferenças culturais e relações de poder.<br />

Nesse sentido, o princípio da diversidade<br />

cultural aqui advogado, quando concerne à esco-<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003<br />

151

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!