Edição Nº 19 - Uneb
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Por uma escola da roça<br />
feiras nos dias de sábado. Com o dinheiro adquirido,<br />
compra-se o que, sendo necessário à<br />
subsistência, não é disponível na roça/não é oferecido<br />
pela roça: são panelas, copos, açúcar,<br />
óleo, arroz, carne, pão, bolacha, manteiga, roupas,<br />
sapatos e até eletro-domésticos (principalmente<br />
TV e geladeira), que hoje, com a chegada<br />
da energia elétrica, começam a ter presença<br />
nas casas da roça.<br />
A distinção entre fazenda e roça parece tornar-se<br />
mais clara quando substantivada. Fala-se<br />
em “fazenda de gado”, “de cacau”, “de café”<br />
(esta em menor importância hoje, mas muito forte<br />
no passado regional); mas não se fala “fazenda<br />
de mandioca”, “de laranja”, “de cana”, “de<br />
banana”, “de melancia”; estas são roças!<br />
Como fazenda são grandes propriedades, em<br />
oposição a estas, há também quem se refira à<br />
roça como sítio. Seu Josué Prezídio, 59 anos,<br />
dono de uma pequena propriedade rural registrada<br />
no INCRA sob denominação de “Sítio Palmeira”,<br />
assim explica: “Fazenda é de 100<br />
hectária, de 50 prá cima. Terreno pequeno é<br />
sítio! O povo é que tem essa besteira de ter 2<br />
tarefa de terra e dizer que é fazenda.” Questionado<br />
por que “sítio”, se este é um termo raramente<br />
utilizado na região, ao contrário de roça,<br />
ele responde: “Tanto faz dizer ´roça` como dizer<br />
´sítio`. O povo usa mais ´roça` porque já acostumou<br />
dizer que vai pra roça”. 12<br />
O termo “campo”, por sua vez, parece remeter-nos<br />
a grandes extensões de terras que,<br />
às vezes, congregam várias e grandes propriedades,<br />
cortadas por pastos, lavouras, rios, colinas<br />
e um verde abundante. Não serve, pois, para<br />
demonstrar os tabuleiros secos da caatinga (ao<br />
norte e ao oeste de Amargosa), onde, nos meses<br />
de agosto a maio, só se visualiza o licuri, as<br />
palmas e o mandacaru (Que campo poderá por<br />
aí existir?!). Igualmente, não serve para nomear<br />
as pequenas propriedades da região geográfica<br />
mais chuvosa e de clima mais ameno, localizada<br />
ao leste e ao sul do município.<br />
Os fazendeiros, grandes proprietários, geralmente<br />
moram na cidade. Muitos deles são<br />
comerciantes ou funcionários públicos. Suas<br />
propriedades foram adquiridas no contexto da<br />
crise do café (principalmente a partir da década<br />
de 50 do século XX), quando se notabilizou<br />
uma concentração de terra no município. Naquele<br />
contexto, pequenas propriedades (roças)<br />
eram compradas e anexadas formando uma<br />
fazenda (geralmente para pecuária e, mais tarde,<br />
cacau), destinada à especulação financeira.<br />
O acima exposto serve para irmos definindo<br />
o que vem a ser o “aluno da roça”, sujeito<br />
sobre o qual o trabalho da escola pretende<br />
incidir. O “aluno da roça” é, assim, um aluno<br />
pobre, filho de pequenos proprietários ou de pais<br />
que não possuem nenhuma terra. Mais que isso,<br />
é filho da roça porque cresce na lida, nas lavouras,<br />
debaixo dos pés de mandioca, nas casas-de-farinha<br />
e pelo meio das roças plantadas<br />
ou cuidadas por seus pais. Tem, portanto, toda<br />
uma vivência com a terra, uma relação simbiótica<br />
com esta... onde a enxada e o facão são<br />
instrumentos presentes. Nessa relação, produzse<br />
toda uma riqueza de conhecimentos sobre<br />
as técnicas de plantio, de limpa, de colheita; saberes<br />
sobre o tempo de plantar e de colher, o<br />
meio ambiente, a utilidade de cada planta, etc.<br />
O aluno da roça, filho do homem que lavra a<br />
terra, é também um lavrador-infante, porque da<br />
sua lavra na roça é que tira o seu sustento (daí<br />
ter que “ajudar os pais”, como fazem muitos<br />
dos sujeitos com os(as) quais tivemos contatos<br />
nessa pesquisa). O aluno da roça não é o filho<br />
do fazendeiro. O filho do fazendeiro, mesmo<br />
que nascido na zona rural, não pode ser um filho<br />
da roça, pois que não trabalha, vive na mordomia<br />
da “Casa Grande” e não tem uma vivência<br />
concreta com a terra, o facão e a enxada.<br />
Os filhos de fazendeiros são poucos e estes,<br />
geralmente, residem na cidade e estudam em<br />
escolas particulares. Para esses sujeitos, uma<br />
outra formação é pensada: quando crescem,<br />
“vira dotô!”<br />
12<br />
Entrevista realizada em 04 abril 2003. Por ser realizada<br />
de forma imprevista, na oportunidade, a entrevista não<br />
pôde ser gravada. Entretanto, com a anuência do entrevistado,<br />
suas falas foram anotadas.<br />
154 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003