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Edição Nº 19 - Uneb

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Eduardo Alfredo Morais Guimarães<br />

lavagem e este esvaziamento deveu-se, sobretudo<br />

ao caráter intermediário do governo. O<br />

governador Nilo Coelho – eleito Vice-Governador<br />

em <strong>19</strong>86 – estava deixando o cargo e o<br />

governador eleito (em <strong>19</strong>90), Antonio Carlos<br />

Magalhães, preparava-se para assumir o governo.<br />

Por outro lado, o Prefeito de Salvador,<br />

Fernando José, era apontado por todas as pesquisas<br />

de opinião como o “pior prefeito do Brasil”.<br />

Sua popularidade estava em baixa. Outros<br />

políticos, talvez atentos às acusações de manipulação,<br />

preferiram acompanhar o cortejo sem<br />

um envolvimento maior com a parte das baianas<br />

e a lavagem do adro da Igreja.<br />

Na Lavagem de <strong>19</strong>92 ocorreu a “sagração<br />

de um novo governo”, eleito com expressiva<br />

votação. Observávamos, então, a efetivação de<br />

um ritual de “sagração” de uma nova ordem.<br />

Era a primeira lavagem após a posse do Governador<br />

do Estado, Antonio Carlos Magalhães,<br />

eleito em <strong>19</strong>90. Um novo ciclo temporal – os<br />

quatro anos de mandato do governador – iniciava-se<br />

e Antonio Carlos Magalhães, celebrando<br />

o seu governo, num ato coletivo de comunhão,<br />

participava dos momentos mais significativos do<br />

ritual: a partida do cortejo na Conceição da Praia<br />

e a lavagem do Adro da Igreja. Assistimos, então,<br />

à realização de uma das maiores lavagens<br />

da história da devoção e a cerimônia reforçava<br />

as mudanças políticas ocorridas no Estado em<br />

função do resultado das eleições. O governador,<br />

juntamente com seus principais correligionários,<br />

caminhava ao lado das baianas buscando<br />

uma identificação com o lado negro da festa.<br />

O governo definia naquele momento uma<br />

linha de ação que privilegiaria durante todo o<br />

governo uma aproximação com as manifestações<br />

culturais afro-brasileiras existentes no<br />

Estado, encaradas com rico manancial para as<br />

políticas públicas na área do turismo.<br />

O ritual situa-se, assim, entre a arte e a vida<br />

cotidiana. Os participantes não se restringem a<br />

assistir passivamente ao cortejo e à lavagem simbólica<br />

do santuário; eles vivem efetivamente o<br />

ritual, pois a Lavagem do Bonfim é uma festa de<br />

todos em Salvador. É uma “segunda vida do povo”<br />

da cidade (BAKHTIN, <strong>19</strong>87), um momento especial<br />

da existência onde não há lugar para atores<br />

e expectadores; todos celebram, de alguma<br />

forma, as mudanças concretas ou, simplesmente,<br />

imaginárias. No ritual os baianos partilham<br />

uma identidade toda particular; vivem um momento<br />

fora do cotidiano, seguindo as reflexões<br />

de Victor Turner (<strong>19</strong>79, p.118), “... ´momento situado<br />

dentro e fora do tempo’, dentro e fora da<br />

estrutura social profana”, que revela assimetrias<br />

existentes na sociedade.<br />

Talvez a Lavagem do Bonfim seja o único<br />

“carnaval” que tem um sujeito, um símbolo focal<br />

que orienta os participantes, ou seja, que<br />

tem “um dono”, e o Senhor Bom Jesus do Bom<br />

Fim ou o orixá do Candomblé, Oxalá, é o “dono”<br />

desta festa. É precisamente isso que faz da lavagem<br />

um dos momentos mais ricos da vida<br />

ritual da cidade do Salvador. Embora a festa<br />

tenha um “dono”, mantém-se “festa de todos”.<br />

Como Carnaval, o ponto chave é a sua organização<br />

praticamente independente do poder público<br />

e das autoridades religiosas. Observa-se<br />

ainda que o cortejo é um desfile polissêmico, no<br />

sentido de congregar participantes das mais diversas<br />

matizes, pois são católicos, guardiões da<br />

ortodoxia ou não, espíritas, candomblecistas,<br />

umbandistas e muita gente de “outras” religiões,<br />

sem religião, ou que fazem a sua religião. Os<br />

participantes, como no carnaval, organizam-se<br />

em grupos, embora estes grupos não tenham<br />

um caráter permanente, não sejam “blocos” no<br />

sentido de algo compacto, sólido (DAMATTA,<br />

<strong>19</strong>79, p.98). São, na verdade, grupos ordenados<br />

de maneira muito mais livre e alicerçados,<br />

principalmente, nas camisetas que aparecem,<br />

então, como um modo de dizer algo à sociedade.<br />

Essa característica surge, então, como um ponto<br />

muito importante, quando nos damos conta de<br />

que os participantes destes grupos identificamse<br />

com as mensagens expressas nas camisetas<br />

e, mais ainda, quando percebemos que estas pessoas,<br />

ligadas por laços profissionais, de militância<br />

política, ou simplesmente organizadas para a lavagem,<br />

não estão ali só para “brincar”, mas também<br />

para “participar” do ritual, dialogando de<br />

alguma forma com a sociedade.<br />

Por outro lado, a lavagem possui também<br />

características de “procissão religiosa” e o alvo<br />

do cortejo são os pedidos de proteção ao Se-<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 135-146, jan./jun., 2003<br />

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