Edição Nº 19 - Uneb
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Yara Dulce B. de Ataíde; Edmilson de Sena Morais<br />
Uma proposta de educação apropriada para<br />
esse momento histórico em que vivemos deve<br />
considerar nossa di versidade cultural e enfocar<br />
a maioria índio e afro-descendente. As bases<br />
curriculares não devem transformar tão importante<br />
assunto simplesmente em “temas transversais”.<br />
Eles devem ser oficialmente incluídos<br />
no currículo, com destaque para os repertórios<br />
civilizatórios afro-aborígines, a partir das suas<br />
visões de mundo. Isso fará com que o aluno,<br />
enquanto sujeito, sinta orgulho da sua ancestralidade<br />
e das suas matrizes etno-culturais, percebendo,<br />
no cotidiano escolar e nos conteúdos<br />
pedagógicos, aspectos relevantes de povos que<br />
tomaram parte na nossa formação étnico-cultural.<br />
Esta abordagem transversal referida é<br />
realizada de forma folclorizada e é flagrante –<br />
e às vezes aberrante – em muitas situações de<br />
sala de aula e eventos culturais nas escolas. Os<br />
currículos passam ao largo e ancoram longe da<br />
cultura africana, produtora de saberes próprios,<br />
de tecnologia, de relações sociais e políticas,<br />
conhecimento científico, uso da botânica,<br />
repertórios da história oral, mitos e religiosidade.<br />
Assim, longe de contribuir para a desmistificação<br />
dessa imagem primitiva-reducionista imposta<br />
pelo colonizador, a omissão desses conteúdos<br />
históricos nos currículos atuais contribui<br />
para a sua obsolescência e marginalização dos<br />
afro-descendentes.<br />
A (re)tomada de valores ético-estéticos dos<br />
vários povos que foram mantidos fora do currículo,<br />
ao longo desse perverso processo<br />
colonialista homogeinizante e globalizante, é<br />
fundamental. Ela constitui o centro basilar da<br />
nova consciência e postura política na qual toda<br />
uma herança sócio-cultural seja revivida, reverenciada<br />
e concebida enquanto matriz formadora<br />
dos mais variados grupos étnicos espalhados<br />
no mundo. Mas, é mister que sejam considerados<br />
os referenciais culturais ancestrais em<br />
seu devir, seu modus vivendi e suas interações<br />
interétnicas.<br />
As “comunalidades” 3 de todo o mundo tendem<br />
cada vez mais a emergir do anonimato<br />
imposto pelos “conquistadores”, anunciando<br />
suas auto-afirmações enquanto povos históricos<br />
e culturalmente localizados. Possuidores de<br />
referenciais civilizatórios próprios, eles são capazes<br />
de contribuir para o legado sócio-cultural<br />
humano com valores ético-estéticos que podem<br />
ser tomados como referenciais de uma sociedade<br />
tão plural quanto a atual.<br />
Dessa forma:<br />
... a contemporaneidade caracteriza-se num aquiagora<br />
que, de um lado, por ser diverso é tenso,<br />
de luta, atrito, conflito, patrimonialista, autoritário<br />
e patriarcal; de outro, é rico em fraternidade,<br />
comoção, indignação, coexistência complementar<br />
das diversidades, paixão, comunicação, sedução,<br />
direito à alteridade própria, constituição<br />
de uma “ética do futuro”.<br />
Esse aqui e agora é enriquecido por essa<br />
dialética que acolhe as contemporaneidades<br />
forjadas pelos distintos continuums civilizatórios<br />
(LUZ, <strong>19</strong>99, p.71).<br />
Faz-se então necessário que tais questões<br />
sejam tomadas como referência, fazendo parte<br />
das discussões em salas de aula, enquanto parte<br />
intrínseca de projetos educacionais que contribuiriam,<br />
em todas as partes do mundo, para a<br />
construção e reconstrução de um conhecimento<br />
plural das arkhés 4 civilizatórias desses povos,<br />
iluminando as reflexões sobre a situação da<br />
conjuntura mundial atual com suas intolerâncias<br />
generalizadas (LUZ, <strong>19</strong>99, p.49-52).<br />
A unidade na diversidade. Este pressuposto<br />
deve ser tomado como parâmetro curricular<br />
nacional para que o conceito de civilização etnocêntrica<br />
européia não continue a ser tomado<br />
como padrão, mas que sejam incorporados nas<br />
propostas educacionais aspectos culturais, filosóficos<br />
e pedagógicos das civilizações ameríndias<br />
e africanas que formam a nação brasileira,<br />
pois não se consideram os valores ético-estéti-<br />
3<br />
Comunalidade e/ou grupo social são organizações sociais<br />
em que “se consolida e estabelece [sic] formas e/ou modos<br />
próprios de comunicação, dos quais derivam-se linguagens<br />
em que está contido um rico repertório de signos<br />
que desenvolvem relações simbólicas que configuram uma<br />
identidade” (LUZ, 2000, p. 100).<br />
4<br />
Palavra de origem grega que se refere tanto à origem<br />
como ao devir, futuro, princípios inaugurais que estabelecem<br />
sentidos, força e dão pulsão às formas de linguagem<br />
estruturadoras da identidade; princípio-começo-origem:<br />
princípio recriador de toda experiência; gênese (LUZ,<br />
<strong>19</strong>99).<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003<br />
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