Edição Nº 19 - Uneb
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Práticas pedagógicas, cultura, história e tradição: um relato da experiência educativa em Novos Alagados<br />
“Que o perdão seja sagrado /<br />
que a fé seja infinita”<br />
A bandeira ensina; as educadoras, também.<br />
As mãos da diretora que compra os materiais e<br />
prevê a beleza do gesto ensina a ter uma esperança<br />
nova, que não se abate nem com a doença,<br />
porque a fé, esta certeza presente, é maior que a<br />
dor. As mãos e o olhar ensinam a perdoar.<br />
Cortar a cartolina, grampeá-la e tecer os detalhes<br />
coloridos supõe uma forma de olhar o mundo.<br />
“Que certeza é essa que nos faz colorir o triste;<br />
amar o cotidiano e propor o Menino Deus que saia<br />
pelas ruas?”<br />
As mãos que rabiscam o giz o ano inteiro; agora<br />
picotam e tecem figuras, detalhes de roupas<br />
coloridas. Na biblioteca do Centro Educativo os<br />
tecidos, as colas e tesouras, mostrando que o<br />
verdadeiro trabalho é sagrado. Tem sempre a ver<br />
com Cristo... Tudo é para Ele. A festa, o trabalho, o<br />
amor, o tempo, tudo.<br />
“A bandeira segue em frente /<br />
atrás de melhores dias”<br />
Por melhores dias acordamos todas as manhãs.<br />
Acordamos, trabalhamos, estudamos, amamos,<br />
recomeçamos, sempre.<br />
Os jovens ensaiando, aprendendo as canções<br />
da Folia mostram que a vida é maior do que aquilo<br />
que pensamos que ela seja, às vezes tão medíocre,<br />
tão pequena, tão em nós, mas a vida é<br />
grande. E Deus, maior que tudo. Tão maior que<br />
nos abraça todo dia, mesmo sem sabermos. Um<br />
grande que nos abraça, ensinando, pedagogo eterno,<br />
nos mostrando o que somos.<br />
E o talento deles, meninos e meninas, aparece.<br />
O que estava escondido surge. As vozes e os<br />
instrumentos nem sempre afinados vão numa<br />
cadência baiana, popular, misto de tradição e de<br />
inovações em que reconhecemos ali um povo,<br />
uma história, uma continuidade tamanha, que sabemos<br />
a quem pertencemos, nesta mesma manifestação<br />
cultural, religiosa e festiva. Porque o<br />
ser humano deve ser tudo isso e muito mais.<br />
Aprender é tarefa difícil. Das mais fatigantes<br />
que existem porque nos colocam na posição de<br />
não sabedores, mas os jovens aprendem – e com<br />
facilidade.<br />
Aprendem, esforçam-se por melhores dias.<br />
Mesmo aqueles teimosos não chegam a ser renitentes.<br />
Olham e aprendem uma ordem, uma indicação<br />
como quem vai crescer sempre mais. E<br />
crescem. Vejo a menina que faz o papel do palhaço:<br />
tímida, não proferia palavras; agora já canta e<br />
antecipa os versos do Divino. Aprendo que a festa<br />
é agora. Hoje, neste dia de tantos ensaios, nas<br />
tantas leituras da origem da Folia de Reis.<br />
Pode ser que a rua, o bairro, nos veja. Pode<br />
ser que não. Mas o que interessa é que os melhores<br />
dias deste Natal de 2002 eu já estou vivendo,<br />
simplesmente por ver o empenho dos meninos,<br />
das mães, das avós e das professoras em costurar<br />
e fazer as roupas e cada detalhe desta festa<br />
que acontece, certamente, em nossos corações<br />
preenchidos pela Presença deste Menino que<br />
pára tudo e que faz tudo acontecer. Que move o<br />
mundo na época do seu nascimento, e que também<br />
unifica até os descrentes, os sem fé, os amargos,<br />
os desiludidos. Menino forte Este que vem<br />
por aí no Natal.<br />
“No estandarte vai escrito /<br />
Que ele voltará de novo”<br />
Mas o novo existe. O Menino vai mostrar-nos a<br />
novidade que é existirem pessoas que se reúnam<br />
por causa dele. A novidade se espalha nos<br />
lugares onde vivemos: uma rua é aberta; uma<br />
palafita que não existirá mais; novas casas que<br />
estão sendo construídas, enfim, novidades que<br />
transparecem na vida da comunidade.<br />
“- ô de casa, / - ô de fora /<br />
– Maria, vai ver quem é!”<br />
Sim. Se tens coragem, vai ver quem é que está<br />
à tua porta? Um grupo de cantadores e tocadores<br />
que vai anunciar que o Natal tem uma presença<br />
que nos ilumina e nos dá novo gosto de vida.<br />
Um grupo colorido e cantante. Um grupo simples,<br />
de jovens e crianças que vão atrás de uma<br />
presença que , em suas vidas, tem um nome: Cristo,<br />
Menino Jesus, o motivo de tantos festejos.<br />
Tomara que aprendamos a segui-lo como seguiremos<br />
esta Folia. Tomara que tenhamos acesso<br />
a este momento com o coração simples dos<br />
nossos antepassados, nossos avós do Recôncavo<br />
e do interior do estado da Bahia, que plantaram<br />
estas sementes de fé em nossa história.<br />
Se o Rei chegar em sua porta, na rua: não<br />
abra só a porta de madeira que protege seu lar<br />
contra os bandidos e o frio da noite. Abra também<br />
– e mais que tudo – o coração e a vida para nos<br />
130 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 113-133, jan./jun., 2003