20.10.2014 Views

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Fábio Josué Souza Santos<br />

5. EXPERIÊNCIAS ALTERNATIVAS DE<br />

EDUCAÇÃO RURAL: CONTRIBUIÇÕES<br />

PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA “ES-<br />

COLA DA ROÇA”.<br />

A caracterização feita no tópico anterior sobre<br />

o contexto agrário do município de Amargosa<br />

e que, de certa forma, retrata a especificidade<br />

das regiões do Recôncavo Sul e do Vale<br />

do Jiquiriçá 13 , coloca para as escolas da roça<br />

desafios que precisam urgentemente ser encarados<br />

com muita coragem, sob pena de se continuar<br />

a repetir o erro histórico de se negar, a uma<br />

parcela significativa dos pobres e dos excluídos<br />

(neste caso, aqueles que residem na roça), a<br />

possibilidade de construir uma vida digna. Para<br />

estes, que estiveram e estão à margem do urbano<br />

(e talvez esta seja mesmo a melhor opção!),<br />

a escola não pode continuar a ser o que sempre<br />

foi: o lócus privilegiado de efetivação de uma<br />

pedagogia reguladora, visando, conforme<br />

Narcimária Luz (2002, p.31), “... tomar a criança<br />

pela mão e controlá-la e conduzi-la no sentido<br />

do que é bom para o serviço público”, ou seja,<br />

“um doutor”, o que equivale, nas palavras da<br />

mesma autora (<strong>19</strong>99, p.63), a formar “... o sujeito<br />

produtor e consumidor, submetido ao paradigma<br />

iluminista e positivista sustentado pelas chefarias<br />

que acreditam ser a ordem e o progresso ‘a única<br />

razão e objetivo da ordem social’ ”. É preciso,<br />

então, substituir a escola na roça por uma<br />

escola da roça! Esta, evidentemente, só pode<br />

ser feita com a participação efetiva daqueles que<br />

seriam os seus maiores beneficiários: os homens,<br />

mulheres, crianças, jovens, velhos e velhas que,<br />

entendendo o clima, os ventos, as chuvas, o solo,<br />

limpando o mato, cavando a terra, plantando a<br />

semente e molhando o broto, vivem “conforme<br />

a terra dá”, e, assim, resistem e não se rendem<br />

a um modelo de sociedade que, considerando-os<br />

inferiores, atrasados, querem vê-los extintos,<br />

para, no lugar das roças que lavram com suas<br />

enxadas e de onde tiram o seu sustento, ver crescer<br />

os campos arados por tratores operados por<br />

computadores e destinados à monocultura ou à<br />

pecuária, o que, certamente, traria muita satisfação<br />

aqueles que são obcecados pelos recordes<br />

de produção agrícola.<br />

Mas, se esta escola da roça só pode ser<br />

construída com a participação do povo da roça,<br />

isso não significa que nada possa ser mobilizado<br />

nos espaços urbanos. A Universidade, lócus<br />

privilegiado da crítica e da produção do conhecimento,<br />

deve ter essa responsabilidade e deve<br />

mesmo estar preocupada em produzir um conhecimento<br />

que, conforme defende Gatti (2003),<br />

tenha impacto, tenha “aderência social” 14 .<br />

O fértil contexto contemporâneo onde explodem<br />

as identidades recalcadas, reclamando<br />

agora seu espaço, é lugar propício para serem<br />

(re)pensadas as práticas educativas vigentes na<br />

Modernidade, com vistas a desestabilizar o<br />

modelo secular de educação escolar que ainda<br />

impera no cenário político-social deste início de<br />

milênio.<br />

Assim, no que diz respeito à educação rural,<br />

não obstante ainda prevalecer oficialmente o<br />

modelo homogeneizador urbanocêntrico acima<br />

descrito, profícuas experiências, construídas conjuntamente<br />

com o povo da roça, já vêm sendo<br />

realizadas em diferentes regiões brasileiras. Na<br />

Bahia, as experiências desenvolvidas pelo<br />

IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária<br />

Apropriada) 15 , localizado em Juazeiro;<br />

pelo MOC (Movimento de Organização Comunitária),<br />

sediado em Feira de Santana; pelas Escolas<br />

das Famílias Agrícolas espalhadas em 23<br />

municípios do Estado; e ainda pelo MST em vários<br />

acampamentos e assentamentos rurais<br />

baianos; são exemplos de esforços que buscam<br />

construir uma escola vinculada à cultura, aos interesses<br />

e às necessidades do povo da roça.<br />

O IRPAA, que tem um trabalho voltado para<br />

o semi-árido e cujo objetivo maior “... não é<br />

enfrentar as secas, mas saber conviver com<br />

13<br />

Sobre o Recôncavo Sul, conferir Santana (<strong>19</strong>98), Souza<br />

(<strong>19</strong>99) e Oliveira (2000). Sobre o Vale do Jiquiriçá, ver<br />

SEI, 2000; confira-se, também, o texto de Milton Santos<br />

A região de Amargosa (<strong>19</strong>63).<br />

14<br />

Fala na Mesa-redonda “A pesquisa em educação nas<br />

regiões Norte e Nordeste”, proferida em 11/06/2003, durante<br />

o XVI EPENN-Encontro de Pesquisa Educacional<br />

do Norte e Nordeste, realizado em São Cristóvão-SE.<br />

15<br />

Maiores informações sobre o IRPAA podem ser consultadas<br />

no site: www.irpaa.org.br<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003<br />

155

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!