Edição Nº 19 - Uneb
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Narcimária Correia do Patrocínio Luz<br />
dos. Quando terminei de cantar, o Rei, bastante<br />
sensibilizado, mostrou a coroa que estava usando,<br />
e, referindo-se a uma das cantigas, nos disse<br />
que não era daquela coroa que a cantiga falava,<br />
e sim de outra, com a qual os reis são consagrados.<br />
O ambiente era ternura estampados nas faces.<br />
Nisso, Juana lembrou-se de me perguntar por<br />
que não aproveitava para recitar o Oriki ou Orilé<br />
de minha família, que eu chamo de brasão oral.<br />
Dei muito pouca atenção à pergunta, mas, por<br />
insistência dela própria e de Verger, fui forçado a<br />
recitar o Oriki, mesmo porque o Rei observou<br />
quando Juanita se dirigiu a Verger em francês e<br />
ficou muito interessado.<br />
Eu disse, então, as seguintes palavras em Nagô:<br />
AXIPÁ BOROGUN ELESÉ KAN GONGÔÔ.<br />
Quando terminei, vimos o Rei aclamar: “Ah!<br />
Axipá!” e, levantando-se da cadeira onde estava<br />
sentado, apontou para um lado do palácio<br />
dizendo: “A sua família mora ali”.<br />
Ficamos todos surpresos, era inacreditável. Então<br />
o Rei chamou uma das pessoas mais velhas,<br />
a Iyá Nanã, e nos mandou levar à casa dos Axipá.<br />
Quando chegamos, descobrimos que a casa de<br />
Axipá era todo um bairro. Fomos levados à casa<br />
principal. Por ser um dia de semana, a maior parte<br />
dos homens estava trabalhando na roça da<br />
família, denominada Kosiku – onde não há morte.<br />
Fui apresentado a todos os presentes e quando<br />
recitei o orilé foi uma alegria geral, todos bateram<br />
palmas, vieram apertar minha mão querendo<br />
entabular conversações comigo, e eu fiquei<br />
tão emocionado que cheguei a ficar fora de mim,<br />
não entendia nem sabia de nada. Só via alegria, a<br />
alegria do semblante de todos que se acercavam<br />
para me cumprimentar.<br />
Logo nos levaram ao ojubó odé, lugar de adoração<br />
a Oxossi, mostrando onde estava assentado-enterrado-<br />
Axé da casa, e foram chamar uma<br />
das pessoas mais velhas da região da família<br />
Axipá, a fim de nos fornecer informações precisas.<br />
E foi assim que ouvimos e reconhecemos<br />
tudo aquilo que minha mãe, e as pessoas mais<br />
velhas diziam na Bahia. Além da linhagem real,<br />
Asipá foi uma das sete principais famílias fundadoras<br />
do reino Ketu. (SANTOS, <strong>19</strong>85, p.40).<br />
Com admirável delicadeza, abordamos as<br />
noções de arkhé, eidos e ethos, através de<br />
alguns aspectos da história emocionante de vida<br />
do Mestre Didi.<br />
Procuramos destacar e aprofundar que é<br />
através desse continuum civilizatório reposto<br />
no Brasil, que elaboramos a nossa concepção e<br />
proposta de educação pluricultural. Queremos<br />
demonstrar que o continuum civilizatório africano<br />
no Brasil e, especificamente, na Bahia<br />
constitui alteridades e caracteriza, em relação<br />
a outros processos civilizatórios, a nossa diversidade<br />
cultural. É a partir da referência desse<br />
continuum que fixamos nossas elaborações em<br />
torno da educação.<br />
Outro aspecto que acentuamos é que a<br />
Bahia abriga uma rica tradição cultural africana,<br />
uma das mais expressivas do mundo, e,<br />
portanto, tem potencialidade para contribuir na<br />
estruturação de políticas, concepções e linguagens<br />
educacionais, a partir dos valores existenciais<br />
da sua população. Salvador, principalmente,<br />
é uma cidade que está a exigir, há muito<br />
tempo, uma educação democrática que se<br />
abra para a diversidade, reforçando a alteridade<br />
própria e os valores culturais que pulsam<br />
no seu cotidiano.<br />
Assim concebidos, verificamos que o eidos<br />
e o ethos africanos são predominantes na Bahia,<br />
o que implica dizer que a população elaborou,<br />
secularmente, formas e modos de pensar, sentir<br />
estético-religioso, simbologias, filosofias, estratégias<br />
políticas, enfim, uma complexa linguagem,<br />
que irá sobredeterminar as relações sociais.<br />
A ESTÉTICA DO SAGRADO<br />
Ainda nessa viagem de escuta, vamos apresentar<br />
ilustrações da arte escultória de Mestre<br />
Didi, permitindo ao leitor uma compreensão<br />
mais apurada sobre os princípios seminais que<br />
tanto enfatizamos, e que consideramos impostergáveis<br />
para a produção de políticas educacionais<br />
imersas nas diversidades culturais. (Vide<br />
Foto 2).<br />
Esta é uma escultura de Mestre Didi, e representa<br />
Exú Amuniuá. A ilustração nos leva a<br />
outra noção fundamental para os objetivos do<br />
nosso trabalho: a de Exu, que se constitui com<br />
princípio de movimento e circulação.<br />
Exu-Bara é o Orixá responsável pelo interior<br />
do corpo, oba + ara, rei do corpo. Exu-Bara<br />
se constitui num dos aspectos e funções do Orixá<br />
que iremos sublinhar.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003<br />
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