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Anais DCIMA Final

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Página 318<br />

ocupação da região revelam que a dinâmica entre espaço e tempo produz um território de experiências, como<br />

memórias, marcas, rastros, caminhos trilhados por camponesas e camponeses e outros atores sociais em disputa<br />

pela terra.<br />

A história de ocupação territorial no sul e sudeste do Pará foi marcada por processos migratórios<br />

intensos, disputa pela terra e outros recursos naturais, assim como constantes práticas de violências,<br />

especialmente contra populações pobres em detrimento de grupos com maior poder econômico, pois a região<br />

foi atrativa para grande número de pessoas, que viram na extração de minério, através do garimpo, a<br />

possibilidade de enriquecimento fácil, para quem a região propagandeada como terra sem homens, pareceu ser<br />

a oportunidade de possuir um pedaço de terra para cultivar e viver (HÉBETTE, 2004).<br />

A inserção de uma psicóloga no trabalho da SDDH (núcleo de Marabá) criou uma expectativa entre<br />

as organizações. Em alguns minutos de conversa com lideranças camponesas, presidentes de sindicatos, dentre<br />

outros, eram elencados casos emblemáticos de violações contra a vida, em que os familiares das vítimas tinham<br />

que dar continuidade à lida cotidiana e em muitos casos, seguir com a luta pela terra em um contexto de<br />

ameaças constantes e risco de vida, o que mais me impressionava. Não demorou muito tempo para perceber o<br />

porquê da expectativa das pessoas envolvidas com a defesa dos direitos humanos na região diante de uma<br />

psicóloga: a violência que atravessava a luta dos movimentos sociais era brutal e deixava marcas profundas<br />

nas pessoas. O que esperavam de um profissional da psicologia? Que cuidassem das feridas causadas pela<br />

violência, especialmente aquelas que nunca haviam cicatrizado e se tornavam visíveis? Poderíamos dizer que,<br />

depois de uma lacuna no tempo, a dimensão do cuidado seria o cuidado com a memória dos sobreviventes?<br />

O envolvimento com tais narrativas históricas incitou certa vontade de saber mais sobre os casos,<br />

dando início ao meu contato com os processos judiciais. Aos poucos aqueles nomes etiquetados nos arquivos<br />

como: irmã Adelaide (1985), Arnaldo Delcídio Ferreira (1993), Gabriel Pimenta (1982), Dezinho (2000),<br />

Chacina Fazenda Princesa (1985), Chacina Fazenda Ubá (1985), Fusquinha e Doutor (1998), etc. – todos<br />

eram casos de assassinatos individuais ou coletivos – passaram a ser, para mim, mais que volumes<br />

encaixotados nas prateleiras da instituição. A leitura dos relatos, a percepção de como a justiça operava nos<br />

casos, não só me fizeram apreender um pouco da realidade de violência que envolvia a região, o que me<br />

impactou como pessoa, causando sentimentos de profunda angústia, como também deu início as minhas<br />

inquietações profissionais quanto à constatação de que o contexto de luta pela terra no sul e sudeste do Pará<br />

produzia subjetividades que incidiam no modo de ser e viver daquelas pessoas.<br />

Universidade Federal do Maranhão – Cidade Universitária Dom Delgado<br />

Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805

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