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01-Contra Capa Vol 29 nº 49 - Senado Federal

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OUTUBRO 2005<br />

ANAIS DO SENADO FEDERAL<br />

9<br />

Outubro de 2005 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL Quinta-feira 27 37025<br />

Durante o discurso do Sr. Eduardo Suplicy,<br />

o Sr. Renan Calheiros, Presidente, deixa<br />

a cadeira da presidência, que é ocupada<br />

pela Sra. Serys Slhessarenko, Suplente de<br />

Secretário.<br />

A SRA. PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT<br />

– MT) – Concedo a palavra, de acordo com a<br />

inscrição, ao <strong>Senado</strong>r Cristovam Buarque.<br />

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF. Pronuncia<br />

o seguinte discurso. Sem revisão do orador.)<br />

– Srª Presidente, Srªs e Srs. <strong>Senado</strong>res, eu vim falar<br />

sobre Herzog, sobre um herói, sobre a injustiça, sobre<br />

a ditadura que o Brasil enfrentou durante vinte e um<br />

anos. Cheguei a preparar um discurso em homenagem<br />

a Herzog e peço à nossa Presidente que o considere<br />

como lido. Isso porque, depois de ouvir o discurso<br />

do Presidente Renan Calheiros e o do <strong>Senado</strong>r Eduardo<br />

Suplicy, achei que devia reorientar a minha fala<br />

não para lembrar o Herzog, não para lembrar aqueles<br />

tempos, mas para falar como são e quem são os herzogs<br />

de hoje.<br />

O Presidente Renan Calheiros lembrou muito<br />

bem que, nesses vinte anos de democracia, nós não<br />

conseguimos completar os sonhos de pessoas como<br />

Herzog. De fato, Srªs e Srs. <strong>Senado</strong>res, hoje o Brasil<br />

tem imenso contingente de pessoas que sofrem de forma<br />

diferente, que enfrentam perseguições e torturas.<br />

Por isso parabenizo os <strong>Senado</strong>res Eduardo Suplicy e<br />

João Capiberibe por terem requerido esta solenidade<br />

não apenas para prestar homenagem ao herói do<br />

passado, mas também para lembrar tudo aquilo que<br />

ainda não fizemos, apesar de tantos terem lutado antes<br />

com esse objetivo.<br />

Srª Presidente, lembro-me dos herzogs pequenos<br />

de hoje, que são as meninas e os meninos de rua, as<br />

meninas e os meninos que estão na prostituição. Não<br />

estão seus corpos enforcados como mostra a imagem<br />

trágica de Vladimir Herzog, mas o dia-a-dia deles e<br />

delas é de tortura. Não se trata da tortura da ponta<br />

do cigarro aceso nem do choque elétrico, mas é, sim,<br />

uma forma de tortura.<br />

Lembro aqui os herzogs que existem naqueles<br />

15 milhões de brasileiros analfabetos, adultos, que<br />

não sofrem a mesma tortura de Herzog, que não são<br />

assassinados, mas carregam a tortura em forma de<br />

cegueira causada pelo não atendimento da educação<br />

no momento certo. Imagine, Srª Presidente, que<br />

alguém fosse cegado. Essa é uma tortura. Imagine alguém<br />

que não consegue ler no mundo de hoje. Essa<br />

é uma tortura.<br />

Quero lembrar também os herzogs que existem<br />

entre cada pai e mãe que têm um filho doente no braço<br />

e não têm um médico para atendê-lo. <strong>Senado</strong>r Mão<br />

Santa, é um “herzog” esse pai, essa mãe. É um “herzog”<br />

no sofrimento, é um “herzog” que sofre a ameaça de<br />

perder a vida não sua, mas do próprio filho, que não<br />

sobrevive por falta de atendimento médico disponível<br />

no Brasil de hoje. Sei que há uma diferença, uma diferença<br />

física, mas, conceitualmente, ser assassinado<br />

ou ser levado à morte por falta de atendimento médico,<br />

em qualquer forma, é uma injustiça. Por isso, esses<br />

pais e mães são herzogs dos tempos de hoje.<br />

Quero falar desses 30 milhões de crianças, três<br />

quartos de nossas crianças, que chegam até à escola,<br />

mas não são capazes de terminar o ensino médio. Sem<br />

um ensino médio completo neste País, a pessoa não<br />

encontra forma de sobreviver, não consegue entender<br />

a si mesmo nem entender o mundo plenamente. Por<br />

isso, são jovens herzogs, como são herzogs os milhares<br />

de jovens assassinados todos os anos neste País. Não<br />

são assassinados na forca, não são assassinados por<br />

autoridades policiais, não são assassinados por perseguições<br />

políticas, mas, mesmo assim, são assassinados<br />

e depois de uma tortura diferente daquela que sofreu o<br />

herói Herzog; é a tortura de viver na pobreza vendo ao<br />

lado a ostentação dos ricos, que não olham para eles.<br />

Essa é uma tortura que milhares de jovens brasileiros<br />

enfrentam a cada dia e milhares e milhares deles são<br />

assassinatos antes dos 25 anos de idade.<br />

Quero falar também desses 1,5 milhão de meninos<br />

fora da escola. Nem ao menos se inscreverão para<br />

estudar, nem ao menos serão matriculados. Ficar fora<br />

da escola hoje condena cada criança a um destino que<br />

tem, senão fisicamente pelo menos eticamente e moralmente,<br />

o conteúdo daquilo que sofreu Herzog.<br />

Quero falar daqueles tantos herzogs que hoje<br />

sofrem neste País pela destruição do rio São Francisco,<br />

pela seca dos rios da Amazônia. Não são heróis<br />

na luta como o foi Vladimir Herzog, não sofrem<br />

o mesmo tipo de perseguição e de tortura, mas são<br />

também perseguidos pela falta de esperança, pela falta<br />

de água próxima, pela impossibilidade de transporte,<br />

pela ameaça da fome, pela perda da perspectiva de<br />

um futuro melhor.<br />

Esses, <strong>Senado</strong>r Eduardo Suplicy, são também<br />

herzogs que merecem a homenagem que V. Exª tão<br />

perspicazmente tomou a iniciativa de requerer. Eu poderia<br />

falar de muitos outros tipos de herzogs que há<br />

hoje, mas vou completar apenas com um. Falo dos<br />

milhões de desempregados, que não ficam presos em<br />

celas nem são ameaçados de morte, mas que voltam

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