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01-Contra Capa Vol 29 nº 49 - Senado Federal

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OUTUBRO 2005<br />

ANAIS DO SENADO FEDERAL<br />

11<br />

Outubro de 2005 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL Quinta-feira 27 37027<br />

Aprendeu a apreciar a televisão pelo cinema, a cuja<br />

arte dedicou significativa parte de seu interesse estético<br />

e político. Podemos especular que seu ingresso<br />

no universo político se deu pela arte, pela admiração<br />

literária, pela paixão cinematográfica.<br />

Na verdade, a tragédia da política em Herzog<br />

se instaura bem antes, quando sua família foge da fúria<br />

anti-semita dos nazistas, na Europa dos anos 40.<br />

Curiosamente, o mesmo Brasil que lhe ofereceu abrigo<br />

àquela altura não coincide com aquele que brutalmente<br />

retira-lhe a vida; duas facetas antagônicas que teimam<br />

ainda em confundir o País com uma paródia lamentável<br />

e nada cômica do romance de Dante.<br />

Nesse segundo contexto, a arbitrariedade dos<br />

ditadores não tem limites. Quando se esperava que,<br />

com a posse do General Geisel em 1974, uma distensão<br />

menos traumática fosse encaminhada, o Brasil<br />

despertou para uma realidade ainda mais cruel. Naquele<br />

momento, descortinava-se um violento e dramático<br />

racha nas fileiras militares, dando ensejo a atos<br />

e ações escandalosamente criminosos, como se o<br />

País estivesse mergulhado numa espécie de guerra<br />

civil camuflada.<br />

Por um viés alvissareiro das contradições, o assassinato<br />

de Vladimir Herzog se converteu na instauração<br />

de uma autêntica brigada popular e pacífica contra<br />

o regime de exceção. A contragosto dos militares de<br />

plantão, o povo brasileiro, a partir de uma tragédia tão<br />

politicamente insuportável, mobiliza-se em favor do respeito<br />

aos direitos humanos, contra os quais qualquer<br />

ditadura sempre se organiza.<br />

As circunstâncias do assassinato de Herzog nunca<br />

foram totalmente esclarecidas. O cerco à TV Cultura<br />

de São Paulo se prolongou por uma semana, até que<br />

todos os jornalistas fossem seqüestrados e seguidamente<br />

torturados. Ao que tudo indica, os torturadores<br />

e seus chefes não foram até hoje identificados e devidamente<br />

enquadrados no museu dos horrores. Outro<br />

detalhe que ainda persiste: por onde anda, se é que<br />

ainda vive, o jornalista Cláudio Marques, cuja rotineira<br />

coluna no Shopping News atiçava os militares contra<br />

o suposto “antro comunista” da TV Cultura?<br />

Do lado dos algozes, nada se sabe de ninguém.<br />

De lá para cá, o que se sabe é que o Governo Lula<br />

reformou recentemente a medida provisória do ex-Presidente<br />

Fernando Henrique Cardoso sobre o sigilo dos<br />

papéis do Serviço Nacional de Informação (SNI) – com<br />

a possibilidade de manter segredo eterno. Além disso,<br />

foi montada uma comissão interministerial para tratar<br />

da abertura, de cuja operacionalidade pouco se ouviu.<br />

Pior do que isso foi constatar que a área de Direitos<br />

Humanos, que ostentava há até pouco o status de Ministério,<br />

reduziu-se a uma mera Subsecretaria.<br />

Não por acaso, na tentativa de proporcionar uma<br />

releitura dos fatos vividos à época, o recém-lançado<br />

“Vlado – 30 Anos Depois”, dirigido pelo cineasta João<br />

Batista de Andrade, versa sobre a vida e a morte do<br />

jornalista Vladimir Herzog. Amigo pessoal, companheiro<br />

político e colega de trabalho de Herzog, Batista talvez<br />

tenha demorado até demais para dar cabo da tarefa.<br />

Porém, é ele mesmo quem justifica que, justamente por<br />

estar muito envolvido com o tema, o roteiro e a produção<br />

da obra nunca se resumiram a algo fácil.<br />

Trinta anos depois, ele consegue, se não distanciamento,<br />

pelo menos certa serenidade – não isenta de<br />

afeto e indignação – para encarar os fatos. Não isenta<br />

de afeto e indignação, tal serenidade se insinua como<br />

um virulento protesto contra o despotismo covarde do<br />

Estado militar.<br />

Como é sabido, Vladimir Herzog, que trabalhava<br />

na TV Cultura, foi seqüestrado, torturado e morto em<br />

outubro de 1975, nas dependências do Destacamento<br />

de Operações de Informações – Centro de Operações<br />

de Defesa Interna (DOI-Codi), o mais temido órgão da<br />

repressão política. Tudo durou muito pouco. Em pouco<br />

mais de 24 horas, o serviço sujo e inesperadamente<br />

homicida compromete todo o incipiente processo de<br />

abertura do regime.<br />

Sua morte, que o 2º Exército tentou apresentar<br />

como suicídio, chocou a Nação, acentuou as fissuras<br />

internas do regime militar e impulsionou o movimento<br />

pela democratização do País. Na realidade, segundo<br />

a historiografia do jornalista Elio Gaspari, o Exército<br />

já computava, em seus arquivos, 36 casos de “suicídio”<br />

entre os presos nos porões da ditadura. Somente<br />

em 1975, havia o registro de 7 desaparecidos de um<br />

total de 142 pessoas “seqüestradas” pelos DOIs de<br />

todo o País.<br />

A pretexto de combater agentes subversivos infiltrados<br />

no Estado, o Governo do General Geisel se<br />

deixava, na prática, embalar-se pela linha mais radical,<br />

segundo a qual “a distensão seria uma balela”. Nessa<br />

lógica, embora fosse simpático à postura mais liberal<br />

de seu braço esquerdo, General Golbery, o Presidente<br />

Geisel manobrava suas ações de modo a atender,<br />

no fundo, às duas alas antagônicas vigentes àquela<br />

altura da ditadura militar.<br />

Logo no início do documentário, João Batista de<br />

Andrade entrevista transeuntes na praça da Sé, perguntando-lhes<br />

o que sabem sobre Herzog. A maioria<br />

não sabe nada. Um homem de seus 50 anos diz, absurdamente,<br />

que a ditadura não é do seu tempo, mas

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