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A doenca como linguagem da alma.pdf

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exercem poder ao impor a famílias inteiras ou a indivíduos próximos uma<br />

responsabili<strong>da</strong>de que eles de maneira alguma estão dispostos a assumir. A<br />

imagem do neurônio empare<strong>da</strong>do com suas ligações ininterruptas torna<strong>da</strong>s<br />

inúteis que agoniza lentamente é o impressionante espelho anatômico <strong>da</strong><br />

situação.<br />

O aspecto de fuga também aparece quando se entende de-pressão <strong>da</strong><br />

maneira mais corrente, <strong>como</strong> pressionar para baixo, já que todos os impulsos<br />

vitais são rebaixados. O resultado é a morte em um corpo vivo. Finalmente<br />

ambos, o relaxamento total não-redimido e a completa supressão <strong>da</strong>s<br />

energias vitais, levam à morte.<br />

Mais além de seu lado deprimente, os sintomas permitem vislumbrar a<br />

variante redimi<strong>da</strong>, na qual a lição a ser aprendi<strong>da</strong> se reflete. A per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

memória significa também, libertar-se do passado. Desiste-se de<br />

compromissos e obrigações. A inquietação e o impulso de movimentar-se<br />

acentuam a importância de mover-se e pôr-se a caminho - pequenos passos<br />

são melhores do que nenhum. A desorientação e a incapaci<strong>da</strong>de de saber<br />

quem se é faz pensar em paralelos mitológicos. Pode emergir Ulisses, cujo<br />

reconhecimento de que era Ninguém lhe salvou a vi<strong>da</strong> perante o gigante<br />

antropófago Polifemo. Ele tinha prendido Ulisses e seus companheiros em<br />

uma caverna e ameaçava devorá-los. Mas Ulisses já tinha aprendido o<br />

suficiente em seu longo caminho. Quando Polifemo perguntou quem ele era,<br />

ele respondeu: "Ninguém." Em segui<strong>da</strong> Polifemo se deixou burlar e o deixou<br />

passar. A pretensão do ego de ser singular e extraordinário pode ser<br />

vislumbra<strong>da</strong> na volta ao lar <strong>da</strong> <strong>alma</strong> que a Odisséia descreve. Isso pode<br />

culminar no reconhecimento <strong>da</strong> própria ignorância diante do mistério <strong>da</strong><br />

criação. Por muito que o ego tenha se inflado, em última instância ele é<br />

insignificante e um ninguém. Esse reconhecimento força o quadro de<br />

sintomas de maneira drástica. Ulisses e Sócrates mostram a liberação dessa<br />

tarefa em plena consciência. Immanuel Kant pode explicitar o quanto é<br />

importante esse passo de relativização e superação de to<strong>da</strong> inteligência e a<br />

volta ao lar, ou seja, o retorno; ele, considerado o ponto mais alto do<br />

conhecimento <strong>da</strong>quela época, contraiu o mal de Alzheimer aos 80 anos de<br />

i<strong>da</strong>de.<br />

A mudez pode significar a quietude diante de um mundo que causa<br />

espanto e sobre o qual já se falou o suficiente. Da apraxia, a incapaci<strong>da</strong>de<br />

para as coisas práticas, pode-se ler a exigência de deixar a vi<strong>da</strong> prática ativa<br />

em paz, assim <strong>como</strong> o âmbito do saber (per<strong>da</strong> de memória). O objetivo é na<br />

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