digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
totalmente da primeira (a reconstrução da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> informações).<br />
Como norma geral, um termo dicionarizado não <strong>de</strong>veria ser referido a<br />
um autor, nem uma idéia comum ser tirada do domínio público on<strong>de</strong><br />
ela já chegou para ser atribuída a alguém. Platitu<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>veriam ser<br />
escritas, quanto menos citadas. Quem escreve uma tese <strong>de</strong>ve estar por<br />
<strong>de</strong>finição capacitado para evitar as platitu<strong>de</strong>s, e para distinguir entre o<br />
que é domínio público e noção particular nesse campo do qual trata. Se<br />
não o faz, é suspeito <strong>de</strong> ignorância ou <strong>de</strong> subserviência. Mas <strong>de</strong>vemos<br />
contar com a cupi<strong>de</strong>z portentosa do homem branco: nunca faltará<br />
quem queira registrar a pólvora como invento próprio, ou inventar<br />
bigo<strong>de</strong>s-<strong>de</strong>-nefertiti conceituais (isto é, personalizações prescindíveis <strong>de</strong><br />
conceitos corriqueiros). O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser citado –ou seja, <strong>de</strong> se apropriar<br />
<strong>de</strong> lotes <strong>de</strong> saber- é um dos maiores incentivos para a criação <strong>de</strong> gíria<br />
supérflua. Os autores não <strong>de</strong>veriam escrever gíria supérflua, quanto<br />
menos cita-la.<br />
O modo <strong>de</strong> citar<br />
É obvio que as citações <strong>de</strong>veriam respeitar o texto original:<br />
reproduzir fielmente, não tirar <strong>de</strong> um contexto necessário, não operar<br />
uma seleção enviesada.<br />
Mas alguém po<strong>de</strong>ria parar a pensar quê seria da história da ciência,<br />
ou da ciência humana, se as citações fossem sempre irreprocháveis.<br />
Uma boa parte das mais ilustres polêmicas se baseia em leituras<br />
apressadas, quando não numa distorção intencional do que foi dito<br />
pelo adversário.<br />
A distorção po<strong>de</strong> ser meritória quando ela põe em relevo, digamos,<br />
algo que o autor, na nossa opinião, quis dizer mas não disse. Como já<br />
foi antes dito, na ativida<strong>de</strong> científica linguagem e pensamento não<br />
po<strong>de</strong>m se manter aparte: compreen<strong>de</strong>r o que um autor quis dizer (no<br />
seu tempo, no seu contexto) equivale, em geral, a reinventa-lo. Nem<br />
todas essas distorções são hostis: boa parte <strong>de</strong>las <strong>de</strong>dicam-se ao que<br />
po<strong>de</strong>ria se chamar a corrupção criativa <strong>de</strong> um autor. O resgate <strong>de</strong><br />
autores perdidos é uma operação constante nas ciências humanas,<br />
representa uma tentativa <strong>de</strong> comunicação que não só se dirige a um<br />
público contemporâneo, mas também em direção a um passado <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se obtém ancestrais que dão bastante e não exigem muito em<br />
troca.<br />
Já os ataques <strong>de</strong>veriam ser feitos com maior escrúpulo, por razões<br />
obvias, até porque refutar a caricatura <strong>de</strong> uma teoria não costuma<br />
levar além <strong>de</strong> uma outra caricatura. Na verda<strong>de</strong>, a correção no modo<br />
<strong>de</strong> citar está quase garantida com o simples expediente <strong>de</strong> ler, por<br />
completo e com atenção, aquilo que está sendo citado. Po<strong>de</strong> parecer<br />
estranho, mas há indícios fortes <strong>de</strong> que isso nem sempre é feito.<br />
O achatamento do leque <strong>de</strong> informações –do qual tratávamos num<br />
item anterior, falando da galáxia xérox- tem contribuído muito a isso.<br />
Temas –entre muitos outros- como o evolucionismo do século XIX ou<br />
a relação <strong>de</strong> Lêvi-Strauss com a história têm sido tratados<br />
reiteradamente <strong>de</strong> um modo caricatural, pela simples razão <strong>de</strong> que<br />
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