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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

O sujeito.<br />

O antropólogo vai a campo. Naturalmente, <strong>de</strong>ve se <strong>de</strong>slocar<br />

fisicamente até esse campo, esteja ele on<strong>de</strong> esteja. Para isso, <strong>de</strong>verá<br />

tratar com uma longa série <strong>de</strong> interlocutores. Quanto mais clássico o<br />

campo, isto é, quanto mais afastado do seu meio cotidiano, esse trato<br />

envolverá uma maior varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos: funcionários<br />

governamentais, funcionários não governamentais, representantes do<br />

grupo que vai estudar, donos <strong>de</strong> uma casa que irá alugar, ou do meio<br />

<strong>de</strong> transporte que o levará até o seu campo. Perante todos eles <strong>de</strong>verá<br />

se apresentar com essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nova, a <strong>de</strong> pesquisador: caso<br />

contrário, provavelmente terá algumas dificulda<strong>de</strong>s para explicar<br />

porquê <strong>de</strong>seja ir a esse lugar on<strong>de</strong> ninguém vai, ou porquê tantas<br />

pessoas po<strong>de</strong>m entrar e sair <strong>de</strong> sua casa, ou porquê faz tantas<br />

perguntas.<br />

Eis aí um momento clave da pesquisa: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que a<br />

i<strong>de</strong>ntificação se faz necessária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o pesquisador se diz<br />

pesquisador, ele está em campo, e todos esses interlocutores<br />

conscientes <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> pesquisador são os seus nativos, que<br />

são, por isso, sujeitos, interlocutores e assim por diante. Um campo<br />

menos clássico, mais próximo, envolve uma varieda<strong>de</strong> menor <strong>de</strong><br />

nativos. Quase ninguém perguntará a um antropólogo brasileiro<br />

porquê ele quer se instalar numa praia para estudar a socialida<strong>de</strong> dos<br />

surfistas.<br />

Uma limitação das reflexões <strong>de</strong> praxe sobre a relação do<br />

antropólogo com os seus sujeitos é que ela ten<strong>de</strong> a focalizar apenas<br />

alguns sujeitos paradigmáticos, isto é aqueles nativos que muito alem<br />

<strong>de</strong> agir como auxiliares ou interlocutores <strong>de</strong> uma pesquisa tornam-se<br />

seus mentores, seus diretores e talvez seus autores principais. Não por<br />

acaso, isso já aconteceu sobretudo em situações em que o pesquisador<br />

estava à procura <strong>de</strong> um saber mais ou menos esotérico: é o caso da<br />

pesquisa <strong>de</strong> Marcel Griaule entre os Dogon, que supostamente <strong>de</strong>ve<br />

quase todo seu mérito às informações do cego Ogotemmeli. Mas<br />

Ogotemmeli não é o nativo médio. E um tipo <strong>de</strong> nativo escasso, que<br />

não aparece necessariamente em toda pesquisa, e que não tem o<br />

mesmo interesse em todo tipo <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Há sujeitos <strong>de</strong>terminantes com perfis muito diferentes <strong>de</strong>sse. De<br />

fato, os manuais têm dado espaço a tipologias dos informantes, on<strong>de</strong><br />

encontramos espécimes como o daquele nativo marginal mal<br />

adaptado às condições <strong>de</strong> vida local que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua posição periférica,<br />

se revela como um antropólogo sem diploma, muito disposto a ajudar<br />

a seu colega diplomado; ou como o daquele crítico opositor que<br />

<strong>de</strong>svenda ao forasteiro todos os avessos da visão que seus compatriotas<br />

apresentam; ou pelo contrário aquele que se consi<strong>de</strong>ra, e é<br />

consi<strong>de</strong>rado, enunciador legítimo das tradições (e que não se i<strong>de</strong>ntifica<br />

necessariamente com o nativo-chave antes citado); ou aquele que<br />

escolhe o pesquisador como um aliado para a sua ascensão social<br />

<strong>de</strong>ntro do grupo; ou aquele fantasioso que inventa todo um universo<br />

cultural que os seus patrícios dificilmente reconheceriam.<br />

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