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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

gênero, <strong>de</strong> classe, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, e enfim carrega, para resumir, a si mesmo.<br />

Po<strong>de</strong>ria pesquisar se não o fizesse?<br />

A constante revisão dos clássicos tem levado a <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> qualquer<br />

esperança <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> inocente, e talvez o único resultado visível<br />

<strong>de</strong>sse empenho <strong>de</strong> permanecer o mais objetivo que possível –nunca<br />

totalmente <strong>de</strong>scartado- se reduz a evitar os preconceitos mais<br />

populares para se limitar aos mais profissionais. Não é possível ir além<br />

disso: no mínimo, o pesquisador <strong>de</strong>verá escolher entre enten<strong>de</strong>r o<br />

nativo por analogia consigo mesmo –será então criticado por se<br />

projetar no nativo- ou por contraste –tornando-se um infame<br />

exotizador.<br />

Não é estranho, assim, que alguém tenha optado por fazer da<br />

necessida<strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, e do empecilho método: em síntese é essa uma<br />

outra posição que tem sido formulada <strong>de</strong> modos muito diversos, mas<br />

que talvez o foi <strong>de</strong> modo mais acintoso na obra <strong>de</strong> George Devereux.<br />

Para ele, o sujeito-pesquisador é uma espécie <strong>de</strong> máquina inscritora da<br />

pesquisa. Usando os seus próprios termos, tirados da psicanálise na que<br />

ele inseria o seu trabalho, o material <strong>de</strong> que o etnógrafo dispõe<br />

consiste no transfert e no contra-transfert, isto é, no conjunto do que o<br />

nativo projeta sobre o pesquisador e o que o pesquisador projeta sobre<br />

o nativo. A subjetivida<strong>de</strong> não é um ruído da pesquisa, mas a própria<br />

matéria dos seus dados.<br />

Extraído da obra <strong>de</strong> um autor que, afinal, praticava a etnopsicanálise<br />

–seu trabalho mais importante <strong>de</strong>u-se num hospital<br />

psiquiátrico para índios nos Estados Unidos- esse método po<strong>de</strong> parecer<br />

válido apenas para aquele universo <strong>de</strong> questões habitualmente<br />

associadas à psicanálise. Mas revela sua agu<strong>de</strong>za tão logo o pesquisador<br />

abandona essa ilusão (muito mais persistente do que po<strong>de</strong> se acreditar)<br />

<strong>de</strong> que ele po<strong>de</strong> se tornar invisível, e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser um branco que<br />

pesquisa índios, um burguês que pesquisa favelados, um intelectual<br />

que pesquisa iletrados, um nerd que pesquisa surfistas, um citadino<br />

que pesquisa camponeses, um careta que pesquisa <strong>de</strong>scolados ou (para<br />

sair <strong>de</strong>ssas assimetrias clássicas) um aprendiz <strong>de</strong> funcionário público<br />

que pesquisa empresários, uma mulher que pesquisa traficantes ou um<br />

tardo-hippie que pesquisa policiais. Os nativos estão, em geral, livres<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> ilusão, e para eles a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisador não<br />

costuma servir <strong>de</strong> manto <strong>de</strong> invisibilida<strong>de</strong> sobre essas outras<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. É obvio que o pesquisador, com sua carne concreta, não é<br />

igualmente visível o tempo todo, e por isso não po<strong>de</strong>ríamos dizer que a<br />

vida cotidiana não continue no campo durante a pesquisa, mais ou<br />

menos acessível aos seus olhos e ouvidos; mas, dado que o pesquisador<br />

se carrega a si mesmo o tempo todo, há <strong>de</strong> se dizer que, globalmente,<br />

ele não está observando essa vida cotidiana ou esses nativos, senão essa<br />

vida e esses nativos confrontados com um pesquisador. Essa presença<br />

<strong>de</strong> exceção enfatizará a relevância <strong>de</strong> qualquer movimento, ação ou<br />

palavra, e essa relevância chegará ao seu auge cada vez que o<br />

pesquisador, simplesmente, pergunte. De modo que o que o<br />

pesquisador recolherá não será, senão marginalmente, uma realida<strong>de</strong><br />

alheia a si mesmo, mas as reações às suas ações e à sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: se<br />

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