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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Mínimo manifesto por uma antropologia minimalista<br />

Espero que todo que seja aqui dito seja apenas repetição <strong>de</strong> coisas<br />

que já foram antes ditas. A idéia central do texto é que a antropologia<br />

(ou a antropologia-como-etnografia) é uma ciência mo<strong>de</strong>sta e<br />

sumamente ambiciosa.<br />

A modéstia resi<strong>de</strong> nos objetivos que se propõe: estes não são os <strong>de</strong><br />

elaborar teorias <strong>de</strong> amplo alcance sobre os seres humanos ou as suas<br />

condutas, nem formular interpretações corretas <strong>de</strong>ssas condutas, ou<br />

dos discursos que as expõem. Se algo <strong>de</strong> tudo isso chega a haver, será<br />

um lucro marginal e provavelmente passageiro. A modéstia <strong>de</strong>veria se<br />

notar também numa reticência –não necessariamente numa negativa-,<br />

a atuar na função <strong>de</strong> assessor do estado, <strong>de</strong> savant oficial ou <strong>de</strong><br />

administrador; é claro que nessa função o antropólogo-etnógrafo<br />

alcançará todo tipo <strong>de</strong> eficiências, mas em algum momento <strong>de</strong>verá<br />

optar entre elas e uma ativida<strong>de</strong> como a etnografia que o situa no<br />

campo, e não numa posição supostamente acima <strong>de</strong>le. Enfim, a mesma<br />

modéstia também <strong>de</strong>veria notar-se, sobretudo, nas ferramentas<br />

utilizadas, que para resumir <strong>de</strong>vem ser as da linguagem comum.<br />

A ambição da antropologia-como-etnografia consiste na sua<br />

aspiração a <strong>de</strong>scobrir novos objetos. Esses objetos são, em termos<br />

gerais, feixes <strong>de</strong> relações entre sujeitos, objetos, interpretações, teorias<br />

(modos diversos <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar esses pontos entre os que as re<strong>de</strong>s são<br />

traçadas) que mudam constantemente, dando lugar <strong>de</strong> fato a objetos<br />

novos. Por isso “<strong>de</strong>scobrir”: a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa produção <strong>de</strong>sencoraja no<br />

pesquisador a “invenção” propriamente dita. A antropologia é uma<br />

ciência dos possíveis humanos, que obviamente se <strong>de</strong>tectam a partir do<br />

trato com a humanida<strong>de</strong> –<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o teor empírico da disciplina; e uma<br />

certa radicalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse empirismo. Porque não se trata <strong>de</strong> apoiar com<br />

dados empíricos uma teoria, mas <strong>de</strong> localizar na experiência esses<br />

objetos, que têm para a antropologia-etnografia o valor que os<br />

teoremas têm para outras ciências. Os possíveis, aliás, são inumeráveis<br />

mas não infinitos: se a antropologia é uma ciência, e não uma fé<br />

humanista, é porque a pesquisa <strong>de</strong>ssas possibilida<strong>de</strong>s se faz sempre<br />

contornando os terrenos do impossível, ou do incompossível.<br />

Esse cometido é politicamente relevante porque o <strong>de</strong>bate político é<br />

<strong>de</strong>terminado muito pouco pelas interpretações, e fundamentalmente<br />

por aquilo que se percebe como realida<strong>de</strong>. Ou seja, o perigo que muitos<br />

já rotularam como “pensamento único” resi<strong>de</strong> na verda<strong>de</strong> na<br />

percepção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> única. Os antropólogos estão em situação<br />

<strong>de</strong> perceber que o que se chama <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> (as condições <strong>de</strong> vida<br />

concretas, as expectativas das pessoas, as forças maiores que as<br />

mediatizam) é apenas uma realida<strong>de</strong>, que eventualmente se impõe a<br />

outras por diversos meios: que o seu po<strong>de</strong>r seja eventualmente<br />

insuperável não autoriza a consi<strong>de</strong>ra-la a única possível. Na medida em<br />

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