digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
A entrevista<br />
É comum que as páginas <strong>de</strong> método dos projetos dêem sempre um<br />
lugar para esse tema, <strong>de</strong>finindo o uso <strong>de</strong> entrevistas abertas,<br />
estruturadas ou semiestruturadas, uma distinção que em último termo<br />
<strong>de</strong>termina se são as perguntas ou as respostas que <strong>de</strong>vem levar o leme<br />
da conversação.<br />
Qualquer um <strong>de</strong>sses modos <strong>de</strong> entrevistar tem sua utilida<strong>de</strong>, e uma<br />
mesma pesquisa po<strong>de</strong>ria perfeitamente incluí-las todas. Mas tudo na<br />
sua or<strong>de</strong>m. É obvio que a entrevista não <strong>de</strong>veria ser um fruto<br />
temporão, e que quando chegue a ser usada <strong>de</strong>verá começar pelas<br />
variantes mais abertas chegando paulatinamente às mais fechadas, ou<br />
inclusive aos questionários. Mas essa or<strong>de</strong>m nunca <strong>de</strong>ve se inverter.<br />
As razões estão já expostas <strong>de</strong> sobra em páginas muito anteriores.<br />
Se a antropologia é uma indagação em que o objeto se <strong>de</strong>limita<br />
plenamente na conclusão da pesquisa, e não no seu projeto, é porque<br />
as perguntas que o pesquisador <strong>de</strong>ve levar a campo <strong>de</strong>vem ser<br />
perguntas vagas, ou, mais inexatamente, uma orientação geral da sua<br />
curiosida<strong>de</strong>. Se o pesquisador, no dia seguinte da sua chegada a campo,<br />
já está preparado para fazer uma entrevista exaustiva, não é muito<br />
bom sinal.<br />
Mesmo sem a condição que acabamos <strong>de</strong> esboçar, há motivos para<br />
ir <strong>de</strong>vagar. A interlocução é o sangue <strong>de</strong> nossa pesquisa <strong>de</strong> campo, e<br />
tem que ser tratada com cuidado. É necessária uma certa<br />
familiarização até que a entrevista seja possível.<br />
Primeiro para assegurar uma certa <strong>de</strong>streza na comunicação:<br />
mesmo quando não é necessário apren<strong>de</strong>r uma outra língua, e a<br />
entrevista po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver numa língua comum a pesquisador e<br />
nativo, será quase sempre necessário dominar um pouco melhor a fala,<br />
o léxico e a pragmática local. Com algum tempo <strong>de</strong> campo já<br />
saberemos algo da diferença <strong>de</strong> usos, dos giros locais; e também do<br />
modo correto <strong>de</strong> perguntar, do estilo extrovertido ou taciturno da fala<br />
local, etc. Não é garantido que dominemos tudo isso mesmo no final<br />
<strong>de</strong> nossa pesquisa, mas algumas semanas ou meses <strong>de</strong> treinar o ouvido<br />
antes <strong>de</strong> começar essa pergunta sistemática que são as entrevistas<br />
poupará muitos inconvenientes; se não um domínio <strong>de</strong>vemos esperar<br />
pelo menos a ter uma i<strong>de</strong>a geral dos problemas <strong>de</strong> comunicação que<br />
po<strong>de</strong>m surgir.<br />
Essa espera <strong>de</strong>ve servir também para obter um mínimo controle da<br />
etiqueta. É claro que tão logo cheguemos a campo nos comunicaremos<br />
com várias pessoas, trocaremos informações com elas, perguntaremos<br />
a elas. Mas uma entrevista é um evento mais formal, que<br />
eventualmente po<strong>de</strong> ficar muito visível; convém saber qual grau <strong>de</strong><br />
etiqueta é requerido para negocia-la e realiza-la, e como <strong>de</strong>vemos<br />
escolher as pessoas a entrevistar e a or<strong>de</strong>m das entrevistas.<br />
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