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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Método<br />

Prefiro falar do método em singular, método e não métodos. Certo<br />

que os epistemólogos têm classificado e hierarquizado métodos<br />

diferentes (indutivo, <strong>de</strong>dutivo, hipotético-<strong>de</strong>dutivo, por exemplo) mas<br />

essa varieda<strong>de</strong> só se realiza em conjunto com a varieda<strong>de</strong> das teorias e<br />

das técnicas. Neste momento procuramos separa-lo <strong>de</strong>las. Isto é, a<br />

alternativa que nos interessa não se estabelece entre usar um método<br />

ou outro, mas entre agir com método ou sem ele. O método é um<br />

vetor ético da pesquisa, um conjunto <strong>de</strong> princípios –que, como todos os<br />

princípios, são mais fáceis <strong>de</strong> formular que <strong>de</strong> seguir.<br />

Um exemplo famoso: O Discurso do Método <strong>de</strong> Descartes, on<strong>de</strong> a<br />

noção <strong>de</strong> método alcança a importância que agora lhe reconhecemos,<br />

é uma boa ilustração do que estou a dizer. O texto <strong>de</strong> Descartes está<br />

muito longe <strong>de</strong> um manual. Não é uma prolixa codificação <strong>de</strong><br />

procedimentos, mas uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> princípios, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões a<br />

respeito do comportamento que o autor seguirá. Assim, Descartes<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> se distanciar do mundo real pela via mais simples, se<br />

conformando a ele, aceitando-o tal como ele se impõe. Por contra,<br />

Descartes <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> também se in<strong>de</strong>pendizar <strong>de</strong> todas as noções<br />

comumente aceitas, mesmo <strong>de</strong> suas convicções mais profundas,<br />

mediante a dúvida metódica; num sentido paralelo, exige-se a si<br />

mesmo uma <strong>de</strong>finição dos objetos que tratará, mediante sua divisão<br />

em partes claras e distintas. E assim por diante (mas não muito...). É<br />

claro que cabem discursos do método in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou contrários ao<br />

<strong>de</strong> Descartes, mas todos eles envolvem <strong>de</strong>cisões éticas <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong><br />

comparável. Do método <strong>de</strong> Descartes po<strong>de</strong>rá se dizer, por exemplo, que<br />

prega uma fatal separação entre o sujeito e o objeto, que postula um<br />

divórcio impossível entre as mores, aceitas sem discussão, e as noções,<br />

sujeitas a crítica, etc. Mas isso são críticas <strong>de</strong> alcance teórico. Uma<br />

crítica metodológica <strong>de</strong>veria fundamentalmente discutir se ele foi<br />

realmente fiel, na sua pesquisa, às <strong>de</strong>cisões inicialmente tomadas.<br />

Nas suas raízes gregas, método vem a significar ro<strong>de</strong>io, indica um<br />

caminho indireto. Já latinizado –e assim pronto para se integrar na<br />

nossa tradição pós-romana-, o termo passa a ser glosado por Cícero<br />

como “brevis via”, ou seja, atalho. Essa torção etimológica sugere que o<br />

cerne da questão <strong>de</strong> método po<strong>de</strong>ria se localizar naquele mito<br />

antiquíssimo, em que um herói (Hércules, no caso) <strong>de</strong>ve escolher entre<br />

um caminho reto e expedito e um outro tortuoso, empinado, semeado<br />

<strong>de</strong> obstáculos. Há uma tendência fatal a aceitar a tradução ciceroniana,<br />

esperando que o método seja um facilitador da pesquisa. Não o é: o<br />

método não está aí para simplificar, mas para garantir a coerência da<br />

pesquisa. Neste livro assumimos aquele valor inicial. O método <strong>de</strong>ve<br />

ser contra-econômico, precisamente para valorizar a economia da<br />

teoria.<br />

O método é o protocolo que obriga a pesquisa a passar por<br />

instâncias outras, em lugar <strong>de</strong> seguir esse atalho fácil que vai das<br />

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