22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

O estranhamente por <strong>de</strong>legação.<br />

Mas não estou seguro <strong>de</strong> que essa exigência seja levada<br />

verda<strong>de</strong>iramente a serio no meio <strong>de</strong> uma produção massiva <strong>de</strong> teses <strong>de</strong><br />

antropologia, que numa altíssima proporção vem se <strong>de</strong>dicando ao<br />

estudo <strong>de</strong> campos com os que o pesquisador tem uma relação pessoal<br />

<strong>de</strong> longa data: o movimento em que militou durante vinte anos, a<br />

profissão que pratica, as mesmas aulas que está freqüentando. Nada<br />

impe<strong>de</strong> que essas pesquisas dêem lugar a estudos <strong>de</strong> alto valor; que<br />

sejam estudos antropológicos já é outra questão menos garantida: a<br />

antropologia/etnografia como tal po<strong>de</strong> ser incorporada a essa apenas<br />

como uma espécie <strong>de</strong> marcador retórico.<br />

Ao “ali estava eu, sozinho com meus equipamentos, em meio a<br />

ilhéus <strong>de</strong>sconhecidos” substitui-se o “igual que Malinowski entre seus<br />

ilhéus, lá estava eu entre meus colegas <strong>de</strong> trabalho, nativos da minha<br />

pesquisa”. Não é necessário ter estado numa ilha solitária para cair na<br />

retórica da ilha solitária. O trabalho <strong>de</strong> campo no boteco da esquina ou<br />

nos corredores da universida<strong>de</strong> é tão trabalho <strong>de</strong> campo como o<br />

trabalho <strong>de</strong> campo numa ilha solitária, mas não é um trabalho <strong>de</strong><br />

campo numa ilha solitária, porque raras vezes o antropólogo sofre nele<br />

o mesmo grau <strong>de</strong> estranhamento visceral e continuado. O pitoresco<br />

prestígio que o campo clássico –aquele da ilha ou da al<strong>de</strong>ia remotaconserva,<br />

mal que pese a todas as ressalvas, é um signo <strong>de</strong> que a<br />

antropologia não conseguiu criar uma retórica in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para os<br />

seus <strong>de</strong>senvolvimentos não exóticos. Mas porque afinal a ilha remota<br />

<strong>de</strong>veria continuar pairando sobre essa associação <strong>de</strong> vizinhos, essa re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> usuários do orkut ou esses velhinhos da praça? Uma resposta cínica<br />

po<strong>de</strong> ser que, no contexto multiculturalista, a diferença vale como um<br />

rotulo legitimador, e o modo mais fácil <strong>de</strong> exibi-la é importa-la já<br />

pronta daqueles lugares on<strong>de</strong> ela abunda. Mas o pesquisador po<strong>de</strong> ser<br />

mais exigente consigo mesmo, e buscar a diferença que já estava lá<br />

antes que ele a cantasse em prosa.<br />

Como tornar exótico o familiar<br />

Se por qualquer motivo escolheu a antropologia como via <strong>de</strong><br />

pesquisa e <strong>de</strong>cidiu aplica-la a temas eminentemente familiares, e bem<br />

provável que <strong>de</strong>va arcar com essa contradição, e não saiba como ser<br />

um estranho logo ai no seu próprio ninho. O elogio do estranhamento<br />

se fez tão comum nos textos <strong>de</strong>stinados aos estudantes que se iniciam<br />

na antropologia, que não é muito difícil se encontrar com alunos<br />

<strong>de</strong>sacoroçoados:<br />

- Professor, não alcanço o estranhamento!<br />

Enviar alguém se estranhar com um meio que às vezes é muito<br />

familiar para ele é uma medida discutível. Mas se você foi, e quer<br />

continuar, não <strong>de</strong>sespere.<br />

137

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!