22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

tratasse <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir proprieda<strong>de</strong>s intelectuais, o que pessoalmente me<br />

parece uma péssima idéia, seria esse quinhão o que lhe correspon<strong>de</strong>ria.<br />

Mas isso é só uma parte da autoria ou da autorida<strong>de</strong> à qual me<br />

refiro, à qual um pesquisador <strong>de</strong>ve aspirar. Mais importante talvez que<br />

esse mínimo diferencial e exclusivo é o que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong><br />

autoria inclusiva.<br />

Na tese, o autor sempre estará aproveitando o que outros<br />

<strong>de</strong>scobriram, o que outros lhe disseram, num cumulo <strong>de</strong> experiências<br />

que seria inatingível para um único indivíduo Todos esses autores<br />

outros, ou co-autores <strong>de</strong>clarados ou anônimos, <strong>de</strong>vem aparecer: o autor<br />

<strong>de</strong>verá citar as fontes em que bebeu ou as opiniões que esta a refutar<br />

ou a endossar. Deve <strong>de</strong>ixar claro, em suma, em quê se fundamenta.<br />

Mas <strong>de</strong>ve ter claro também que é ele quem esta dizendo todo isso. No<br />

seu texto falam outras vozes, mas é pela sua voz que elas falam.<br />

Em outras palavras, o autor <strong>de</strong>ve se comportar como autor também<br />

quando expõe interpretações que ele credita a outros mas nesse<br />

momento faz suas, afirmando-as ou também contrariando-as. Deve<br />

sustentar enunciados ou proposições que existem alhures em boca <strong>de</strong><br />

outros, mas que só têm lugar nesse texto porque ele os tem assumido.<br />

Do contrario ele irá gerar um texto inautêntico, on<strong>de</strong> se limitará a<br />

tomar emprestadas da tradição acadêmica uma serie <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s<br />

com as quais comercia sem produzir um discurso próprio.<br />

Isto é, a autoria que se reclama numa pesquisa antropológica <strong>de</strong>ve<br />

respeitar a proprieda<strong>de</strong> intelectual, sim, mas não po<strong>de</strong> ser confundida<br />

com a proprieda<strong>de</strong> intelectual. Como sugere Marcio Goldman, a<br />

antropologia é, mais do que qualquer outra ciência, um discurso em<br />

primeira pessoa, porque se baseia numa experiência, a do campo,<br />

vivida em primeira pessoa. Isto é: ele po<strong>de</strong> focar o que os <strong>de</strong>votos <strong>de</strong><br />

uma religião pensam ou sentem durante um culto, mas o que<br />

efetivamente estará <strong>de</strong>screvendo será sempre o que ele, o etnógrafo,<br />

viu, enten<strong>de</strong>u, pensou, sentiu a partir das suas observações, do que os<br />

<strong>de</strong>votos disseram a ele. Não quero dizer com isso, fique claro, que a<br />

etnografia seja o relato <strong>de</strong> uma experiência subjetiva individual, mas<br />

sim o relato <strong>de</strong> uma experiência pessoal, enten<strong>de</strong>ndo aí pessoa como<br />

um nó <strong>de</strong> relações. O que o pesquisador apreen<strong>de</strong> não é uma realida<strong>de</strong><br />

absoluta, mas uma realida<strong>de</strong> coagulada nesse ponto <strong>de</strong> vista que é o do<br />

pesquisador. Se o pesquisador elu<strong>de</strong> essa primeira pessoa está <strong>de</strong><br />

algum modo falsificando sua experiência, fazendo-a passar por algo<br />

que não é.<br />

Mais diremos sobre isso ao tratar do trabalho <strong>de</strong> campo, da<br />

etnografia e da escrita etnográfica, mas o caso é que, se a clareza <strong>de</strong><br />

método e a ética exigem que se referenciem as fontes, ainda mais<br />

exigem que o autor se assuma como fonte da seleção, organização,<br />

exposição e análise <strong>de</strong>ssas mesmas fontes.<br />

Embalada pela insistência na co-autoria, pelo zelo com a<br />

proprieda<strong>de</strong> intelectual e pelo ceticismo a respeito da autorida<strong>de</strong><br />

etnográfica, é muito comum que se <strong>de</strong>ixe notar nos textos<br />

etnográficos a vonta<strong>de</strong> do autor <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer atrás <strong>de</strong> longas citações<br />

95

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!