digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
Em campo<br />
Outros cientistas têm o laboratório, o arquivo ou a biblioteca. Os<br />
antropólogos têm o campo, isto é, qualquer lugar on<strong>de</strong> acontece, vive<br />
ou vive-se aquilo que ele quer estudar. Não que o campo seja uma<br />
exclusiva <strong>de</strong>les. Po<strong>de</strong> se fazer trabalho <strong>de</strong> campo em qualquer ciência:<br />
zoologia, geologia, medicina; até mesmo na matemática (é um<br />
exemplo verda<strong>de</strong>iramente extremo) pesquisas <strong>de</strong> campo po<strong>de</strong>m ser<br />
alguma vez úteis. Mas em todos esses casos a experiência <strong>de</strong> campo é<br />
um recurso auxiliar, um episódio secundário, ou até excêntrico. Para os<br />
antropólogos, é o episódio fundamental. Os antropólogos falam<br />
obsessivamente do campo: das dúvidas na hora <strong>de</strong> escolhê-lo, das<br />
dificulda<strong>de</strong>s para chegar nele, das alegrias e as agruras que nele<br />
passaram. Falam <strong>de</strong>le nas aulas, nos corredores, nos encontros com a<br />
família e os amigos, nos livros que escrevem. O laboratório, o<br />
observatório, a biblioteca ou o arquivo nunca são motivo <strong>de</strong> tantas<br />
expansões.<br />
O campo –mais do que a formação acadêmica, a ativida<strong>de</strong><br />
profissional ou a tese- faz o antropólogo, e assim a ida a campo é<br />
muitas vezes vista como um ritual <strong>de</strong> iniciação. Valha a comparação<br />
sempre que não se caia no sofisma do “apenas”: um ritual nunca é<br />
apenas um ritual, é a sua eficiência a que interessa aos que o praticam.<br />
Assim, não interessa que o campo faça antropólogos, e sim que faz<br />
antropólogos diferentes em cada caso.<br />
O campo sob suspeita<br />
As histórias da antropologia dão um valor critico ao trabalho <strong>de</strong><br />
campo, discriminando uma era inicial dominada pelos antropólogos <strong>de</strong><br />
gabinete, cujas teorias se fundavam sobre a experiência <strong>de</strong> outros, e<br />
outra, a dos antropólogos no sentido mo<strong>de</strong>rno, que realizam<br />
pessoalmente a experiência em que irão se basear.<br />
A primeira legitimida<strong>de</strong> do campo correspondia aos dados: estes<br />
seriam mais a<strong>de</strong>quados se fossem recolhidos pelo mesmo sujeito que<br />
<strong>de</strong>veria <strong>de</strong>pois processa-los, um sujeito formado nas teorias, as<br />
expectativas e os conceitos da antropologia. Mas aos poucos essa<br />
legitimida<strong>de</strong> foi transferida dos dados para a pessoa do pesquisador: a<br />
finalida<strong>de</strong> do campo era menos reunir um acervo <strong>de</strong> dados que treinar<br />
alguém capaz <strong>de</strong> analisa-los; outorgar-lhe um olhar diferente,<br />
qualificado por essa experiência.<br />
Em outras palavras, <strong>de</strong>vemos acreditar que o antropólogo é mais<br />
que um sertanista porque é um acadêmico, e é mais do que um<br />
acadêmico porque é também um sertanista. Essa ascensão do<br />
pesquisador <strong>de</strong> campo foi um trunfo dos antropólogos na sua luta por<br />
galgar <strong>de</strong>graus na aca<strong>de</strong>mia, uma estratagema que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter<br />
suas faces duvidosas.<br />
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