22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

O relato<br />

É útil começar <strong>de</strong>scartando um preconceito muito comum embora<br />

nem sempre formulado. O relato não é uma forma literária usada<br />

apenas em gêneros <strong>de</strong> ficção como contos ou romances. Os semiólogos<br />

dos anos 60 –Greimas à cabeça- aplicaram as suas técnicas <strong>de</strong> análise<br />

<strong>de</strong> relatos a todo tipo <strong>de</strong> material discursivo com um enorme sucesso.<br />

Tão gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fato, que anulou na opinião <strong>de</strong> muitos o próprio<br />

interesse da análise: a estrutura básica que se <strong>de</strong>scobria por toda a<br />

parte vinha a ser a mesma, o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, em si, uma<br />

<strong>de</strong>scoberta interessante. De fato, a estrutura básica dos contos <strong>de</strong> fadas<br />

ou dos romances <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetives é a mesma que po<strong>de</strong>mos encontrar<br />

numa conversa cotidiana sobre os problemas com o encanador, na<br />

confissão <strong>de</strong> um homem convertido a uma nova religião, na <strong>de</strong>scrição<br />

da doença <strong>de</strong> um parente, ou, o que aqui nos interessa, na exposição <strong>de</strong><br />

uma pesquisa.<br />

Em todos os casos temos uma posição inicial, temos um problema,<br />

temos um protagonista que o resolve superando uma serie <strong>de</strong> provas<br />

com a ajuda <strong>de</strong> diversos auxiliares, e temos enfim uma conclusão mais<br />

ou menos feliz, que re-encena a situação original com alterações e que,<br />

com certeza, po<strong>de</strong>ria servir <strong>de</strong> situação inicial para um outro conto.<br />

O esquema tem complexida<strong>de</strong>s acessórias, mas segue essa or<strong>de</strong>m,<br />

não importa que se trate da historia do Pequeno Polegar ou <strong>de</strong> uma<br />

pesquisa sobre o regime <strong>de</strong> troca matrimonial entre os Baruya.<br />

Relatos, sujeitos a esse tipo <strong>de</strong> estrutura, e o que os humanos<br />

ten<strong>de</strong>m a fazer sempre que dão conta, oralmente ou por escrito, <strong>de</strong><br />

qualquer coisa. É claro que, reduzido a isso, relato quer dizer muito<br />

pouco; mas não é menos verda<strong>de</strong> que, não contando com essa<br />

estrutura básica, qualquer discurso corre o risco <strong>de</strong> não dizer nada.<br />

Ou seja, a maior parte da antropologia (e nisso não há diferença<br />

entre etnografias e textos teóricos), assim como a maior parte da<br />

produção literata <strong>de</strong> qualquer gênero, é narrativa. Não toda. Há<br />

algumas alternativas ao relato. A poesia, por exemplo, é quase sempre<br />

não narrativa. Uma argumentação po<strong>de</strong> ser não narrativa (embora<br />

costume <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um relato prévio). Uma certa rebelião contra o<br />

mo<strong>de</strong>lo do relato po<strong>de</strong> ser tentadora em terrenos como o da narrativa<br />

<strong>de</strong> vanguarda ou, no nosso caso, em vanguardas etnográficas ou<br />

teóricas.<br />

Em ambos casos há duas situações que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar. Uma<br />

na qual se oferece, em lugar <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo básico <strong>de</strong> relato, um relato<br />

confuso, que no entanto continua sendo um relato: apenas a or<strong>de</strong>m dos<br />

elementos do relato está alterada, ou os limites entre eles não são<br />

claros, mas os elementos existem. Em geral essa opção equivale a<br />

exigir ao leitor um trabalho suplementar que, supõe-se, terá como<br />

resultado uma compreensão mais rica e menos convencional do<br />

escrito.<br />

E outra na qual, <strong>de</strong>finitivamente, não é possível reconstruir relato<br />

nenhum a partir dos elementos dados, e o texto apenas inclui<br />

impressões ou argumentos isolados ou entrelaçados. Alguns trabalhos<br />

191

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!