22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

ele está a estudar –temas bem clássicos- relações interétnicas ou <strong>de</strong><br />

gênero, <strong>de</strong>ve ser consciente <strong>de</strong> que a relação interétnica ou <strong>de</strong> gênero<br />

mais <strong>de</strong>terminante é a que ele mantém com seus interlocutores. Seria<br />

pouco recomendável que tentasse esquecer disso e não fizesse disso já<br />

não tema <strong>de</strong> alguma confissão preliminar mas o fulcro da sua<br />

<strong>de</strong>scrição e análise.<br />

O diálogo.<br />

Toda a antropologia dos últimos trinta anos ten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>signar a<br />

pesquisa como uma ação <strong>de</strong> sujeitos em diálogo. É uma saudável<br />

reação contra visões pretéritas em que o nativo tendia a ser<br />

conceituado como um objeto submetido a criteriosa observação. Não<br />

creio necessário insistir em que esse suposto é inepto: não apenas<br />

porque reduzir o outro a objeto seja indigno, mas porque em geral é<br />

impossível faze-lo (a não ser em ficções <strong>de</strong>scritivas). Ou seja, a pesquisa,<br />

mesmo à nossa eventual revelia, se da entre sujeitos, e exige o diálogo.<br />

Não há outra.<br />

Porém, quando se insiste na antropologia como diálogo é possível<br />

que se esteja a dizer algo mais. Primeiro, po<strong>de</strong> haver nessa insistência<br />

uma espécie <strong>de</strong> marcação <strong>de</strong>ssa condição dada <strong>de</strong> sujeito, como se ela,<br />

por si mesma, elevasse a uma espécie <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> ontológica<br />

superior. Mas, uma vez eliminadas as fantasias positivistas, não há mais<br />

motivo para essa ênfase: estamos o tempo todo a tratar com sujeitos, e<br />

repetir com emoção “ele é um sujeito!” ou “você é um sujeito!” não faz<br />

muito sentido, a não ser que no fundo da sua alma o pesquisador<br />

continue pensando que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> outro modo, e que por isso a<br />

condição <strong>de</strong> sujeito é uma felicida<strong>de</strong> extraordinária.<br />

A noção <strong>de</strong> dialogo experimenta avatares parecidos. Des<strong>de</strong> há pelo<br />

menos meio século o diálogo, a dialogia ou a atitu<strong>de</strong> dialogante vão<br />

ascen<strong>de</strong>ndo na nossa escala moral como alternativas, principalmente,<br />

da imposição (que viria a ser i<strong>de</strong>ntificada com o monólogo) e da<br />

violência. Até da persuasão, forma mo<strong>de</strong>rada da imposição.<br />

Não serei eu quem venha clamar contra essa receita tão sensata,<br />

mas é bom evitar essa ilusão <strong>de</strong> que o diálogo seja assim tão<br />

alternativo às suas alternativas. Diálogo, como todos sabemos, é mais<br />

um termo <strong>de</strong> origem grega cujos primeiros e ilustres exemplos<br />

encontramos na literatura grega. Basta ler os diálogos platônicos, ou o<br />

apenas um pouco menos conhecidos Diálogo dos Mélios (incluído na<br />

Historia da Guerra do Peloponeso <strong>de</strong> Tucídi<strong>de</strong>s, contemporâneo<br />

aproximado dos anteriores) para perceber que o diálogo possui um<br />

teor agonístico que nem sempre permite que o contraponhamos à<br />

imposição, nem sequer à própria violência. A diplomacia e o<br />

telemarketing são ativida<strong>de</strong>s fundadas no diálogo cujo exemplo<br />

<strong>de</strong>veria nos dissuadir <strong>de</strong> exagerar no nosso entusiasmo moral pelo<br />

diálogo.<br />

Mas para os fins <strong>de</strong>ste escrito o que correspon<strong>de</strong> dizer é que o<br />

diálogo é, sim, o fundamento principal <strong>de</strong> qualquer pesquisa; e que ele<br />

estará muito melhor <strong>de</strong>finido se evitarmos um conceito<br />

153

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!