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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

ou a representação gráfica ou a i<strong>de</strong>ntificação concreta dos objetos<br />

usados nelas. O socialmente indizível é intelectualmente inócuo: nada<br />

que seja verda<strong>de</strong>iramente importante está verda<strong>de</strong>iramente oculto.<br />

Mesmo aquilo que muitos gostam <strong>de</strong> chamar forças ocultas que<br />

governam isto ou aquilo só estão ocultas porque a sua explicitu<strong>de</strong> as<br />

faz invisíveis.<br />

O que estou a dizer do secreto e da reserva não <strong>de</strong>ve ser confundido<br />

com uma outra questão muito diferente, e que habitualmente toma a<br />

forma <strong>de</strong> direito à imagem pública. Voltando a um exemplo anterior, é<br />

difícil que, em si, as infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>s conjugais ou as práticas sexuais fora<br />

do padrão aceito sejam tratadas como secreto num <strong>de</strong>terminado lugar,<br />

embora essa reserva exista <strong>de</strong> um modo ou outro quanto às<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s ou as circunstâncias particulares dos seus protagonistas.<br />

Mas essa reserva po<strong>de</strong> voltar a se aplicar <strong>de</strong>sta vez ao grupo como um<br />

todo quando esse relato passa a ter uma difusão mais ampla –mesmo<br />

que seja no nível <strong>de</strong> difusão muito mo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> uma tese-, e é esse<br />

grupo quem po<strong>de</strong> aparecer como sujeito coletivo cara ao exterior. Uma<br />

<strong>de</strong>claração do tipo “segundo minha estimativa, num sessenta por cento<br />

dos matrimônios da comunida<strong>de</strong> X existe também alguma relação<br />

fora do casal” (o exemplo não é totalmente imaginário) ou, mudando o<br />

registro, “praticamente todos os moradores da favela Z estão<br />

envolvidos no tráfico” po<strong>de</strong> parecer muito ofensiva à honra comum. A<br />

solução não é a auto-censura; passa primeiro por avaliar a relevância<br />

da informação para o nosso argumento; se é relevante, então po<strong>de</strong>rá<br />

tomar uma forma muito mais discreta, já que argumentos não se<br />

constroem com manchetes. Sabemos perfeitamente que o escândalo<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um procedimento expressivo muito peculiar, que é<br />

análogo ao da pornografia: individualizar e colocar à vista <strong>de</strong> todos,<br />

sob um foco direto, algo muito comum, que habitualmente se per<strong>de</strong><br />

entre o cotidiano e a meia-luz. A etnografia não <strong>de</strong>ve ser<br />

sensacionalista, porque seu alvo po<strong>de</strong> ser enten<strong>de</strong>r o estranho, mas não<br />

produzir o extraordinário.<br />

Fora disso, é preciso reconhecer também que não há etnografia que<br />

não possa ser julgada como ofensiva ou falsa por alguém. Não<br />

estudamos comunida<strong>de</strong>s monolíticas, o sabemos perfeitamente,<br />

mesmo que às vezes pareçamos esquece-lo quando tratamos questões<br />

éticas apelando ao critério ou a vonta<strong>de</strong> “da comunida<strong>de</strong>”. Qualquer<br />

assunto po<strong>de</strong> ser ou se tornar controverso, e qualquer juízo ao seu<br />

respeito po<strong>de</strong> ser visto por alguém como ofensivo. Afortunadamente,<br />

isso não chega a ser uma experiência nova para o pesquisador, que já<br />

sabe <strong>de</strong>sse perigo pela sua experiência social corriqueira. É preciso<br />

apenas que o pesquisador lembre que, apesar das suas especificida<strong>de</strong>s,<br />

a relação que estabelece no campo é uma relação social à qual <strong>de</strong>verá<br />

aplicar em princípio todos os cuidados que aplica às outras relações<br />

sociais.<br />

Em meados do século passado não era incomum que as etnografias<br />

ocultassem o nome da comunida<strong>de</strong> em que a pesquisa foi realizada, e a<br />

sua localização exata. Por muitos motivos a pratica caiu em <strong>de</strong>suso:<br />

afinal, não só a reserva assim obtida é muito relativa, como a pratica<br />

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