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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Essas classificações dizem muito do campo, mas também dizem<br />

muito <strong>de</strong> umas certas estratégias <strong>de</strong> pesquisa que já têm um certo<br />

sabor entomológico, como a própria noção <strong>de</strong> informante, tão policial.<br />

Reconhecer o nativo como sujeito implica uma certa serialização<br />

<strong>de</strong>ssas categorias, multiplicando matizes difíceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver, e a<br />

probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que na prática qualquer nativo reuna aspectos <strong>de</strong><br />

todos esses tipos.<br />

A arte (isto é, a técnica) e a ética da pesquisa consiste em conseguir<br />

que essa relação seja uma relação social, ou para ser mais consistentes<br />

(que relação po<strong>de</strong>ria não ser social?) que ela seja sociável, isto é, que<br />

tome uma forma positiva e gentil. Essa arte não <strong>de</strong>veria ser tão<br />

diferente da que ele põe na sua convivência cotidiana com outros:<br />

quando não se sabe como mostrar-se educado em tal ou qual lugar, a<br />

melhor opção é sempre faze-lo do mesmo modo que se faria em casa.<br />

É claro que essa opção por <strong>de</strong>feito não será sempre apropriada. Os<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> do pesquisador e o do nativo po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>finir<br />

níveis e manifestações diferentes <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> afeto ou <strong>de</strong><br />

generosida<strong>de</strong>. O pesquisador <strong>de</strong>ve se a<strong>de</strong>quar na medida do possível ao<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> relações que encontra em campo. Mas isso não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

exclusivamente da sua vonta<strong>de</strong>.<br />

Por falta <strong>de</strong> saber ou <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> cometerá gafes freqüentes, ou<br />

simplesmente preferirá arcar com a gafe antes <strong>de</strong> assumir<br />

comportamentos que, embora possa admitir em outros, não quer<br />

incorporar. Nada que dizer quanto a tais reticências –sempre que<br />

preservem o suficiente da sua sociabilida<strong>de</strong>. É muito mais perigosa a<br />

pretensão oposta <strong>de</strong> virar nativo, essa espécie <strong>de</strong> iniciação mistérica<br />

que costuma <strong>de</strong>spertar admiração entre os seus conterrâneos e muita<br />

perplexida<strong>de</strong> divertida entre os que são nativos mesmo. Ou nem tão<br />

divertida: não é raro que a pretensão do estrangeiro <strong>de</strong> se comportar<br />

ou falar como se fosse mais um resulte molesta ou irritante, ou até<br />

ofensiva.<br />

É bom que o pesquisador não pretenda viver na sua pesquisa uma<br />

relação plenamente normal. Ele é um pesquisador, um objeto estranho.<br />

Mesmo quando permaneça na sua própria socieda<strong>de</strong> –que reconhece a<br />

profissão <strong>de</strong> “pesquisador”- ele será um corpo estranho sempre que<br />

esteja <strong>de</strong> fato pesquisando. A pesquisa é uma situação em que os<br />

objetivos comuns <strong>de</strong> uma relação social têm sua hierarquia alterada.<br />

Numa relação normal, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber é uma dimensão menor e<br />

circunstancial: em geral já sabemos o suficiente do lugar on<strong>de</strong><br />

vivemos, e uma atitu<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong> indagação seria inconveniente.<br />

No campo, essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve avançar para a primeira linha. Por isso, é<br />

conveniente, em primeiro lugar, tomar as providências necessárias<br />

para que ela não impeça outro tipo <strong>de</strong> relação. Ocupar o lugar <strong>de</strong> uma<br />

criança que <strong>de</strong>ve ser instruída a respeito <strong>de</strong> tudo é <strong>de</strong>certo um bom<br />

modo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r muitas coisas, mas é apenas um dos bons modos <strong>de</strong><br />

faze-lo.<br />

Em particular, <strong>de</strong>ve se evitar o erro <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a pesquisa como a<br />

arte da contínua interrogação. Mesmo as crianças ten<strong>de</strong>m a apren<strong>de</strong>r<br />

vendo e ouvindo, mais do que perguntando. Deve se evitar a todo custo<br />

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