digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
Constituições e guias <strong>de</strong> viagem<br />
Talvez os preliminares <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> pesquisa possam levar<br />
anos; levá-lo à realização po<strong>de</strong> também levar anos; mas o projeto em si<br />
<strong>de</strong>ve ser breve <strong>de</strong> escrever e breve <strong>de</strong> ler.<br />
É importante diferenciar esses três momentos. Recorramos a uma<br />
alegoria a<strong>de</strong>quada, pensando na diferença entre a elaboração <strong>de</strong> um<br />
mapa, o traçado <strong>de</strong> um roteiro e a realização <strong>de</strong> uma viagem.<br />
A primeira é uma ativida<strong>de</strong> sempre à beira do infinito. Por muito<br />
que selecione um área do mundo –um mapa do Brasil, só do Brasil, ou<br />
só do estado <strong>de</strong> Sergipe- ou um registro particular –físico, ou<br />
rodoviário, ou turístico-, os seus dados potenciais são inumeráveis. O<br />
mapa <strong>de</strong>ve ser ambicioso, rico em dados, mas <strong>de</strong>ve seleciona-los para<br />
ser legível. O mapa sempre <strong>de</strong>ve ten<strong>de</strong>r à exaustivida<strong>de</strong> mas <strong>de</strong>ve<br />
parar muito antes <strong>de</strong>la; senão, como conta Borges em mais <strong>de</strong> um<br />
conto, o mapa <strong>de</strong>veria ter o mesmo tamanho daquilo que <strong>de</strong>screve. Um<br />
bom cartógrafo é um sofredor bulímico que passa muito tempo<br />
reunindo informações, e ainda mais tempo <strong>de</strong>cidindo quais <strong>de</strong>las<br />
<strong>de</strong>verá <strong>de</strong>scartar.<br />
A última, a realização da viagem, é uma ativida<strong>de</strong> na qual o<br />
viageiro não po<strong>de</strong>, mesmo que ele queira, restringir as peripécias a que<br />
a viagem vai lhe submeter, a viagem é em boa parte aleatória, ou não<br />
seria viagem. O viageiro não po<strong>de</strong>, também, chegar a toda parte,<br />
sempre terá alguma limitação <strong>de</strong> tempo, mesmo que consagre à<br />
viagem a vida toda.<br />
Quanto ao traçado do roteiro, ele <strong>de</strong>ve ocupar um interstício<br />
mínimo entre a preparação do mapa e a viagem propriamente dita.<br />
Mínimo, porque o mapa já reuniu as informações necessárias, e<br />
também porque a capacida<strong>de</strong> que o viageiro tem <strong>de</strong> prever a viagem é<br />
por <strong>de</strong>finição limitada: ele vai num lugar que <strong>de</strong>sconhece.<br />
A alegoria é suficientemente clara, mas po<strong>de</strong>mos explicitá-la ainda<br />
mais. Os preliminares <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>vem ser longos: a<br />
formação requerida para um pesquisador equivale praticamente à sua<br />
formação completa, não apenas acadêmica; mas, é claro, <strong>de</strong>ve se<br />
intensificar em direção ao seu tema <strong>de</strong> pesquisa. Com um critério<br />
amplo, porque exercer como especialista não significa se formar<br />
apenas como especialista.<br />
A pesquisa, e sobretudo a pesquisa <strong>de</strong> campo, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas<br />
da vonta<strong>de</strong> do pesquisador. Está sujeita a muitos fatores externos e não<br />
seria pesquisa se tentasse se livrar <strong>de</strong>sses fatores, que eventualmente<br />
po<strong>de</strong>m alterar o rumo do projeto. Isso às vezes requer mais tempo do<br />
que se pensou inicialmente.<br />
O projeto, por sua vez, <strong>de</strong>ve ser uma transição breve entre a<br />
formação e a pesquisa. Caso se alongar <strong>de</strong>mais é porque a formação foi<br />
precária ou porque o pesquisador tem medo <strong>de</strong> pesquisar -situações<br />
que <strong>de</strong>vem ser remediadas antes <strong>de</strong> se empreen<strong>de</strong>r a elaboração do<br />
projeto.<br />
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