digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
O momento do projeto.<br />
É necessário criar limites ad hoc num processo como a pesquisa<br />
que ten<strong>de</strong> a ser vivido pelo pesquisador <strong>de</strong> modo mais ou menos<br />
contínuo, e os marcos e rituais acadêmicos (créditos, qualificação,<br />
<strong>de</strong>fesa do projeto, etc.) são um bom modo <strong>de</strong> fazê-lo, diferenciando o<br />
projeto do que está antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le.<br />
Mas neste mundo nosso em que os rituais não são levados a serio, é<br />
muito comum eludir esses limites.<br />
Para começar, é freqüente que a elaboração <strong>de</strong> um projeto comece<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o próprio momento em que é <strong>de</strong>finido o campo em que será<br />
realizado, e que todos os preliminares –os dados do mapa- sejam<br />
selecionados em função disso. Isso po<strong>de</strong> parecer benéfico para essa<br />
religião acadêmica da avaliação institucional, em que os resultados<br />
rápidos são estimados acima <strong>de</strong> tudo; mas seus resultados costumam<br />
ser simplesmente reprodutivos. Um mapa <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foram eliminados<br />
todos os dados “não essenciais” obriga a reproduzir sempre os mesmos<br />
roteiros. Se essa elaboração preliminar <strong>de</strong>ve ser longa, é porque ela<br />
<strong>de</strong>ve ser ampla, generalista, ambiciosa. Deve <strong>de</strong>scartar muito, mas<br />
<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scartar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter explorado muito.<br />
Depois, é muito comum que a elaboração do projeto se estenda<br />
muito além do momento em que ele <strong>de</strong>veria concluir. Pesquisadores<br />
<strong>de</strong>masiado pru<strong>de</strong>ntes costumam <strong>de</strong>sejar que o projeto seja uma<br />
espécie <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo em escala reduzida da pesquisa, que prefigure a sua<br />
estrutura, que avance seus temas e seus capítulos e em soma que<br />
forneça um arcabouço que <strong>de</strong>pois baste rechear com os dados colhidos.<br />
Para acabar, ou para não acabar nunca, é também freqüente que a<br />
elaboração do roteiro se transforme numa labor interminável que<br />
preten<strong>de</strong> prever, ou previver, todos os percalços da pesquisa, mesmo os<br />
mais impon<strong>de</strong>ráveis. As instituições costumam incentivar<br />
implicitamente esse mau costume, à força <strong>de</strong> insistir na importância do<br />
projeto; <strong>de</strong>pois se lamentam <strong>de</strong> que os seus alunos <strong>de</strong>spendam um<br />
ano ou dois em elabora-lo.<br />
Uma boa pesquisa <strong>de</strong>ve combinar tempos lentos e tempos rápidos.<br />
A pesquisa <strong>de</strong>ve contar com tempo suficiente, os preliminares com<br />
tempo mais que suficiente. O tempo rápido é o do projeto. O projeto<br />
po<strong>de</strong> até se parecer com um embrião, um contrato <strong>de</strong> trabalho ou o<br />
<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma casa; mas <strong>de</strong>ve se parecer mais a uma aposta.<br />
Especialmente no caso da antropologia-como-etnografia, on<strong>de</strong> as<br />
condições <strong>de</strong> pesquisa se distanciam muito da pesquisa em laboratório.<br />
Os projetos <strong>de</strong>vem ser breves, também, porque eles <strong>de</strong>vem ser antes<br />
<strong>de</strong>scartados que reformulados: a pesquisa não se faz para comprovar<br />
que as nossas previsões estavam certas. Elas <strong>de</strong>vem ser alegremente<br />
<strong>de</strong>scartadas sempre que necessário, mas <strong>de</strong>scartadas <strong>de</strong> um modo<br />
conseqüente, o que significa que a diferença entre o projeto inicial e o<br />
resultado <strong>de</strong>ve ser exposta, e argumentada. A conformida<strong>de</strong> total entre<br />
o projeto e a pesquisa, por sua vez, é eminentemente inargumentável:<br />
é a prova mais segura <strong>de</strong> que o viageiro nunca saiu <strong>de</strong> casa.<br />
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